Alijado da Esplanada dos Ministérios e da Presidência da República, o Partido dos Trabalhadores (PT) voltou ao seu habitat natural: a trincheira da oposição. Todas as vezes em que esteve longe das benesses oficiais, o partido não economizou energia na hora de boicotar o governo da ocasião. Foi assim em 1988, ao votar contra a Constituição, em 1992, quando o partido não só ficou de fora da aliança construída em torno de Itamar Franco, como atuou para sabotar o novo governo e o Plano Real, conjunto de medidas que proporcionou a estabilidade econômica do País, e em 2000, ao se opor à Lei de Responsabilidade Fiscal – para ficar apenas em três casos emblemáticos. Agora a história se repete, como diria Karl Marx em 18 brumário de Luís Bonaparte. A ordem é reprisar a surrada estratégia do quanto pior, melhor. Não importa se o projeto é bom ou não para o País, “si hay gobierno”, e ele não é comandado por um petista, o PT é contra.

A tática de guerrilha foi escancarada pelo deputado fluminense Wadih Damous (PT-RJ) no encontro da cúpula petista em São Paulo, na sexta-feira 2, e endossada por quadros importantes do partido, como o ex-presidente Lula e o atual número um da legenda, Rui Falcão. “Vamos obstruir (a pauta no Congresso Nacional). A obstrução é um instrumento democrático”, avisou Damous. O PT garante que terá a ajuda de outros três partidos para colocar em prática seu plano para tentar impor uma política de “terra arrasada”. Segundo os integrantes da legenda, a Rede, PCdoB e PSol comungariam do mesmo objetivo. As três legendas juntas na Câmara e no Senado somam 94 parlamentares. Apesar do contingente pequeno de parlamentares, as bancadas têm condições de criar dificuldades para o governo atual, usando manobras regimentais. O cientista político João Paulo Peixoto lamenta a postura. “Infelizmente, existem interesses pessoais e partidários. O governo tem de aprender a lidar com isso”, aconselha.

De frente para a foto, de costas para o país
Em alguns momentos cruciais da história, o PT jogou contra o Brasil:

1985 Partido orienta seus integrantes a votarem nulo na eleição indireta de Tancredo Neves para a Presidência da República. Legenda expulsa três deputados que votaram no mineiro.

1988 Lula e o PT rejeitam o texto final da Constituição Federal.

1989 O partido defende o calote da dívida brasileira com o FMI.

1993 Itamar Franco convoca os partidos para um governo de coalizão. O PT fica contra.

1994 A legenda se posicionou contra o Plano Real, responsável pela estabilização econômica do País.

1996 O PT não apóia o instituto de reeleição. Hoje, a maioria do partido é favorável.

1998 O partido votou contra a privatização da telefonia.

1999 O PT se manifesta contrário à adoção do câmbio flutuante e metas de inflação.

2000 O partido se mobiliza contra a Lei de Responsabilidade Fiscal

2001 Lideranças criticam o Bolsa Escola e outros programas sociais do governo de Fernando Henrique Cardoso. Quando chega ao poder, em 2003, Lula usa esses mesmos programas como parâmetro para implementar o Bolsa Família.

Mais uma vez, o PT fecha questão contra a reforma
da Previdência e o ajuste fiscal proposto pelo atual governo

Agenda de invasões

Uma das barreiras que o bloco liderado pelo PT pretende impor a Temer é dificultar ao máximo a aprovação dos projetos prioritários do novo governo, como o que estabelece limite de gastos em todos as áreas da administração federal. Segundo a proposta enviada à Câmara, o aumento das despesas da União estará condicionado à inflação do ano anterior. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) está em discussão na comissão especial da Câmara. Terá de ser aprovada em duas votações no plenário da Casa e do Senado. Outra matéria prevista no escopo da equipe econômica é a reforma da Previdência, tema defendido até mesmo por Dilma Rousseff quando era presidente. O projeto que deverá ser encaminhado este mês ao Congresso prevê idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres. As novas regras vão valer para homens com idade de até 50 anos. No caso de mulheres e professores, até 45 anos. O déficit da Previdência hoje é de R$ 130 bilhões. Em 2017, será de R$ 180 bilhões. Se não forem aprovadas mudanças, o caixa da Previdência terá um destino inexorável: ele simplesmente quebrará. Mesmo assim, o PT promete não dar trégua. Praticamente já fechou questão contra o projeto.

Em outra frente de atuação, a militância petista deve promover com maior intensidade as invasões a órgãos públicos. Na segunda-feira 5, o MST, que Lula cunhou de “exército de Stédile”, invadiu o Ministério do Planejamento. Segundo a Polícia Militar do Distrito Federal, cerca de 300 manifestantes ocuparam a pasta para exigir a saída de Michel Temer da Presidência. De acordo com servidores do ministério, os baderneiros se instalaram por vários andares, promovendo uma verdadeira algazarra. No 6º e 8º andares, por onde o grupo passou, funcionários da equipe de segurança patrimonial contabilizaram o desaparecimento de vários objetos.

Ao insuflar a escalada da violência nas ruas, e estimular invasões, como tem acontecido em várias capitais do País, o PT adota estratégia típica de regimes totalitários. A ideologia do partido transforma o mundo real, com suas complexidades, numa narrativa de fácil entendimento em que tudo faz sentido, até mesmo o assalto aos cofres públicos. Com esse viés deturpado da realidade, os petistas disseminaram a estapafúrdia tese do golpe, num processo acompanhado e presidido pelo presidente do Supremo, que na essência lembra e muito a deposição de Collor, apoiada por dirigentes e líderes do PT. Mas na ocasião, claro, não houve “golpe”.

PARALISAÇÕES   Instrumentalizados  por sindicatos ligados ao PT, bancários promovem greves
PARALISAÇÕES Instrumentalizados por sindicatos ligados ao PT, bancários promovem greves

A ordem é tumultuar

O novo tom do PT já havia sido delineado antes mesmo de Temer ter sido empossado como presidente efetivo, após a votação do impeachment no Senado. Em junho, um grupo de manifestantes invadiu o prédio da Presidência da República em São Paulo. Houve conflito com a polícia. Naquela ocasião, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Guilherme Boulos, afirmou que a ação ocorreu em protesto contra a interrupção do programa Minha Casa Minha Vida. Sabia-se, no entanto, que a causa era outra, a de provocar tumulto, uma vez que o programa habitacional só havia passado por um período de reformulação, antes de ser retomado. Por isso, não restam vestígios de dúvidas: a quintessência do quanto pior melhor, voltou.