Sob a batuta de Arthur Lira, no final do ano passado a Câmara levou somente 16 dias para aprovar a reforma do Código Eleitoral, apesar da polêmica em torno do texto de 898 artigos, que unifica leis e impõe novas regras ao jogo, como a censura a pesquisas e o esvaziamento dos poderes do Tribunal Superior Eleitoral, submetendo as resoluções da Corte ao crivo do Congresso. A matéria, desde então, está paralisada no Senado. Nas últimas semanas, uma ala de parlamentares, formada sobretudo por nomes ligados ao Palácio do Planalto, assumiu uma articulação para repetir a votação a toque de caixa protagonizada por deputados e chancelar a matéria antes das convenções partidárias, que começam em julho, e da campanha eleitoral. A investida, no entanto, tende a naufragar, segundo membros dos partidos com maior representação no Senado.

O assunto voltou à baila em meados de maio, quando o relator do projeto, Alexandre Silveira (PSD-MG), aventou a lideranças que estava próximo de concluir o parecer sobre o texto. Congressistas governistas, então, viram o caminho aberto para o início da deliberação. O pessedista, que chegou a ser convidado por Bolsonaro para assumir a liderança do governo no Senado, mas não topou por pressão do partido, herdou a relatoria da matéria em fevereiro, dois meses após Antonio Anastasia ser eleito para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

POSTERGAÇÃO O presidente do TSE, Edson Fachin, quer que o novo código eleitoral não valha para este ano (Crédito:Divulgação)

Procurado, Silveira não quis dar detalhes a respeito do relatório sobre o qual trabalha há quatro meses. Segundo pessoas próximas, ele não tem pressa em apresentá-lo, apesar das conversas de bastidores com colegas, e pretende fazer uma série de modificações no material recebido. A versão chancelada pela Câmara preocupa organizações da sociedade civil ligadas à transparência e ao direito à informação, que cobram a realização de audiências públicas antes da votação. As entidades apontam riscos, já que a matéria que chegou ao Senado afrouxa, por exemplo, a fiscalização das contas de partidos e candidatos ao permitir que a análise de receitas e despesas seja feita em auditorias particulares, as quais, posteriormente, serão entregues à Justiça Eleitoral, além de limitar multas.

“Da forma como está, o texto do novo Código Eleitoral pode levantar incerteza jurídica quanto à extensão de sua imediata eficácia” Edson Fachin, presidente do TSE” Edson Fachin, presidente do TSE

Muitas das regras, mesmo se avalizadas neste ano, não valeriam para a disputa de outubro devido ao princípio constitucional da anualidade, que impede mudanças na lei eleitoral a menos de um ano do pleito. Mas, na avaliação da maioria dos parlamentares, há brechas para que pontos sensíveis entrem em vigor imediatamente. É o caso dos artigos que obrigam institutos a informarem o percentual de acertos de pesquisas nos últimos cinco anos e proíbem a divulgação das intenções de votos na véspera e no dia do pleito. Esse ponto, em específico, serviria de munição para a claque de Bolsonaro, que costuma levantar dúvidas sobre os dados.

O presidente do TSE, Edson Fachin, reagiu de forma instantânea à investida e, em ofício a Rodrigo Pacheco, pediu que, ao menos, seja especificado no novo código que as regras passariam a valer apenas a partir de 2023. O ministro anotou que, da forma como está, o texto pode levantar “incerteza jurídica quanto à extensão de sua imediata eficácia”. “A Justiça Eleitoral afirma, incansavelmente, que o conhecimento prévio das regras do jogo eleitoral, e a manutenção desse regramento durante todo o processo, é uma garantia a todos os atores políticos e a toda a sociedade brasileira”, escreveu. A publicização dos movimentos, dizem congressistas, jogou um balde de água fria sobre as negociações.

Falta de consenso

Fachin e Silveira não chegaram a ter uma conversa para falar sobre o projeto. O texto, desde que começou a tramitar no Congresso, foi discutido somente em reuniões entre a Secretaria-Geral do TSE e outros membros do parlamento. Na terça-feira, 31, Pacheco chegou a afirmar que o Senado precisa se debruçar sobre o tema, mas não falou em datas, frisando, inclusive, que a matéria está na Comissão de Constituição e Justiça e a inclusão na pauta cabe ao presidente do colegiado, Davi Alcolumbre.

A bancada do PT, que conta com sete congressistas, planeja discutir o posicionamento a ser adotado na próxima terça-feira, 7, mas nomes do grupo antecipam que, pelas percepções individuais, o partido não tende a se engajar no apoio à mudança das regras já neste mês. “Estamos, basicamente, no início do processo eleitoral. Todos estão em pré-campanha. Mexer nas regras do jogo em andamento é complicado”, diz Paulo Paim, que integra, ainda, a CCJ.

Sendo ou não votada neste ano, a reforma do Código Eleitoral precisa tramitar sob os olhos atentos da população e à exaustão do diálogo público ou resultará na redução da transparência sobre gastos custeados com verba do contribuinte, colocará o TSE de joelhos perante o Congresso e reduzirá a munição da sociedade para a escolha do voto. Nada mais antidemocrático, e antiético, do que isso.