Estudo gera manchetes ao associar melatonina à insuficiência cardíaca. Cientistas dizem que isso não está provado, mas alertam mesmo assim contra uso prolongado do hormônio.A melatonina promete milagres: bastam algumas gotas, comprimidos ou balas de goma para se ter um sono melhor, mais longo e mais profundo. Suplementos alimentares, até mesmo para crianças, são vendidos em farmácias e supermercados. Mas o que é comercializado como um inofensivo "hormônio do sono" esconde riscos.
Recentemente, um novo estudo nos Estados Unidos alertou que tomar melatonina por um longo tempo pode elevar o risco de desenvolver insuficiência cardíaca ou de morte prematura, gerando manchetes em todo o mundo.
A insuficiência cardíaca é uma condição crônica caracterizada pela incapacidade do coração de prover o corpo com sangue e oxigênio suficientes, acarretando problemas como falta de ar, cansaço e retenção de líquido.
Os próprios pesquisadores enfatizaram que os dados não comprovam uma relação causal, mas eles consideram os resultados um forte indício de que o uso prolongado de melatonina pode ser mais do que apenas uma maneira inofensiva de melhorar o sono.
Risco de insuficiência cardíaca
O estudo em questão foi apresentado no congresso científico da Associação Americana do Coração (AHA).
Pesquisadores de Nova York analisaram registros de saúde internacionais de mais de 130 mil adultos com insônia crônica. Ao longo de cinco anos, eles compararam indivíduos desse grupo que tomaram melatonina por pelo menos um ano com aqueles que não tomaram.
O resultado: o grupo que tomou melatonina apresentou um risco em torno de 90% maior de desenvolver insuficiência cardíaca. O risco de hospitalização por essa condição foi 3,5 vezes maior. E a mortalidade de um modo geral nesse grupo foi quase o dobro da registrada no outro grupo.
Críticas ao estudo
É necessário ressalvar que estudos apresentados nessas conferências não são revisados previamente por pesquisadores não envolvidos (o chamado processo de "revisão por pares"), mas selecionados por um painel de revisão independente.
Os resultados são, portanto, considerados preliminares até serem revisados por pares e publicados num periódico científico.
E já há críticas ao estudo: ele não comprova que há uma relação de causa e efeito entre a ingestão de melatonina e um maior risco de insuficiência cardíaca.
Cientistas que não participaram do estudo também observaram que, em muitos países, é muito fácil comprar melatonina, e que algumas pessoas no grupo dos não tomadores podem ter ingerido sem que isso tenha sido registrado, o que torna mais difícil a comparação entre os dois grupos.
O "hormônio da escuridão"
A melatonina não é propriamente um "hormônio do sono", mas um "hormônio da escuridão": ela não deixa uma pessoa com sono, mas sinaliza ao corpo que está ficando escuro.
Esse hormônio natural é produzido na glândula pineal, no cérebro. Quando a noite cai, os níveis de melatonina no sangue aumentam – um sinal para todo o corpo relaxar. A melatonina, portanto, regula o ritmo do sono (ou ritmo circadiano), a interação entre o sono e a vigília.
A luz do dia e as telas que emitem luz azul (como as dos smartphones) suprimem a liberação desse hormônio. Por isso, muitas pessoas que têm dificuldade para relaxar à noite recorrem a versões sintéticas da melatonina, que são bioquimicamente idênticas ao hormônio natural.
Estudos demonstraram que, de fato, a melatonina pode ajudar a estabilizar o ritmo do sono em casos de problemas temporários – por exemplo, após um voo de longa duração. No entanto, a tendência de tomá-la diariamente atingiu proporções que preocupam os médicos.
Nos Estados Unidos, a melatonina é um dos suplementos alimentares mais vendidos, frequentemente em dosagens que excedem em cem vezes os níveis naturais do corpo. Ao contrário dos medicamentos, esses suplementos não estão sujeitos a uma regulamentação rigorosa. Os ingredientes ativos podem variar consideravelmente, mesmo em produtos da mesma marca.
Natural, mas não inofensiva
"Os suplementos de melatonina são vistos como uma opção natural e segura”, disse o principal autor do estudo, o médico Ekenedilichukwu Nnadi, do SUNY Downstate Medical Center. "Mas nossos dados levantam sérias preocupações quanto à segurança.”
Entre os efeitos colaterais mais comuns estão alterações de humor, agressividade, ataques repentinos de sono, dores de cabeça e exaustão.
A melatonina é prescrita com muita facilidade, concorda a médica nutricionista Marie-Pierre St-Onge, diretora do Centro de Pesquisa do Sono da Universidade Columbia, que não participou do estudo. "Fico surpresa que os médicos prescrevam melatonina para insônia e permitam que os pacientes a tomem por mais de 365 dias, já que a melatonina, pelo menos nos EUA, não é aprovada para o tratamento da insônia.” O fato de mesmo assim ela ser tão amplamente utilizada é inexplicável do ponto de vista médico, afirma St-Onge.
Melatonina para crianças
O que mais preocupa os médicos é o uso de melatonina por crianças. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram pais elogiando as "balas para dormir". Nos EUA, as vendas de balas de goma com melatonina para crianças explodiram em poucos anos. Muitos desses produtos contêm quantidades impressionantes: até 3 miligramas por unidade – 30 vezes a quantidade que o corpo humano produz naturalmente à noite.
Segundo as autoridades de saúde dos EUA, os casos de intoxicação por melatonina em crianças aumentaram drasticamente nos últimos anos. Pediatras na Alemanha também relatam cada vez mais casos de overdose e tontura tarde da noite.
Outro problema: quem toma melatonina durante meses corre o risco de não conseguir mais dormir sem ela, já que o uso contínuo envia ao corpo um sinal para reduzir sua própria produção hormonal, o que perturba ainda mais a regulação natural do sono.
Rituais são melhores do que comprimidos
O equilíbrio fisiológico do sistema do sono é muito delicado. A melatonina interfere profundamente nesse ciclo regulador – e quem o manipula constantemente corre um risco bem maior do que o de uma noite mal dormida.
O melhor é ter cautela: até que os efeitos de longo prazo sejam mais bem compreendidos, a melatonina deve ser tratada como o que é: uma potente intervenção hormonal, e não um mero comprimido para dormir.
Principalmente as crianças não precisam de substâncias químicas para dormir, mas de rituais, de escuridão e de silêncio, dizem os especialistas. Recorrer a uma bala de goma pode ser tentador, mas isso prejudica o que o sono realmente é: uma capacidade que o corpo, na maioria dos casos, domina melhor por si só – sem interferências.