Quando ascendeu ao comando do Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2020, Luiz Fux tinha o desafio de encarnar o papel de equilibrista nos embates entre Jair Bolsonaro e a Corte — a defesa institucional já era cobrada por ministros diante das primeiras participações do presidente em atos antidemocráticos. A crise, porém, escalou ao longo dos anos e na última semana chegou a um novo capítulo, envelopado pela condenação do deputado bolsonarista Daniel Silveira e pela declaração de Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo, de que as Forças Armadas são orientadas a atacar o processo eleitoral. Integrantes do tribunal divergem sobre como a nova turbulência deve ser enfrentada.

SEM ACORDÃO Mendonça (à dir.) quer encerrar o inquérito das Fake News, mas Moraes e Barroso não topam (Crédito:STF)

Fux conversou com os colegas e sinalizou entender que o silêncio seria a melhor saída para evitar que o STF fosse arrastado mais uma vez para a disputa ideológica. “Dar continuidade à história seria garantir palco a Bolsonaro, cair na estratégia de campanha. A ideia é que tudo seja resolvido dentro dos processos”, disse um ministro, sob reserva. Para pretensamente não estender o confronto com o presidente, Fux evitará uma resposta institucional, por nota ou em discurso, ao indulto concedido por ele a Silveira — o instrumento, costurado pelo núcleo ideológico e avalizado por militares, isentou o deputado da sentença por ataques verbais e ameaças a membros da Corte.

As costuras vão se restringir aos bastidores. É na esteira do acerto que ministros e Congresso alinharam um acordo de ganha-ganha para considerar constitucional o indulto dado por Bolsonaro a Silveira, o que o livra de mais de oito anos de prisão, deixar a cassação — pouco provável — nas mãos da Câmara e mantê-lo elegível. Falta combinar com os russos, ou, neste caso, com Rosa Weber, relatora da ação que contesta a “graça” constitucional e cujo voto é uma incógnita — a ministra já demonstrou não ter reservas em melar acertos costurados nos bastidores ao suspender, em novembro do ano passado, a execução do orçamento secreto, enquanto o Planalto tinha a garantia do STF de que isso não ocorreria.

Panos quentes

A quietude pública se estendeu à nota em que o Ministério da Defesa, comandado por Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, classificou como uma “ofensa grave” as falas de Barroso sobre as Forças Armadas e apontou que elas afetam “a harmonia e o respeito entre as instituições”. Para colocar panos quentes sobre a situação, Fux recebeu o general a portas fechadas na terça-feira, atendendo a um pedido feito pelo próprio militar na véspera. No tête-à-tête, o presidente do STF ouviu que os fardados estão “comprometidos” com a democracia e prometeu melhor trato com as Forças.

A estratégia do presidente do STF foi endossada por ministros como Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Os magistrados frisaram, no entanto, que não vão se abster de falar sobre a segurança do processo eleitoral, pauta cara ao Judiciário, nem ficarão inertes em processos polêmicos. As últimas decisões de Moraes em ações que tramitam no STF ilustram bem a postura — na terça, o ministro impôs multa de 405 mil reais a Silveira pela desobediência ao uso da tornozeleira eletrônica e pediu à Polícia Federal uma análise detalhada da quebra do sigilo telemático do coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, no inquérito que investigou os dois pelo vazamento de informações do processo que mirou um ataque hacker à Justiça Eleitoral.

Além disso, Moraes já deixou claro que não aceita encerrar o inquérito das fake news, como propôs André Mendonça, indicado por Bolsonaro ao STF, em nome de uma trégua. Em segredo judicial, o processo perdeu relevância após ser desmembrado em várias ações, como a que apura a atuação de uma milícia digital contra a democracia e tem entre os alvos o presidente afastado do PTB, Roberto Jefferson, e Carlos e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente, os quais integrariam o suposto “gabinete do ódio”. O inquérito, todavia, serve como uma importante arma para o ministro, que costuma usá-lo para dar início a novas investigações ou despachar em momentos de crise. Ao mantê-lo, o magistrado guarda uma carta na manga.

A opção pelo silêncio não agrada a todos. Ministros como o decano da Corte, Gilmar Mendes, têm dito nos bastidores que Fux precisa elevar o nível da defesa institucional do Supremo à altura dos ataques do capitão. A postura é ironizada por aliados do presidente do STF, já que Gilmar recebeu Flávio Bolsonaro, o 01, para tratar da crise, e costuma ter apadrinhados indicados a cargos no governo.

A despeito das divergências de estratégias, ministros entendem que a crise vem desanuviando. Sinal disso, pontuam, foi a decisão de Bolsonaro de não discursar e, portanto, não estampar mais uma vez a sanha golpista durante os atos realizados pela militância em 1º de maio. A expectativa, porém, é de que a trégua, como sempre, não dure muito, sobretudo com a aproximação das eleições. O passado recente mostra que a perspectiva não é desarrazoada. Declarações de aliados do Planalto também. “Bolsonaro fez um gesto nas manifestações, mas esperamos reciprocidade. É sempre o STF a puxar a corda e isso não será sempre tolerado”, diz o deputado Sóstenes Cavalcante, líder da bancada evangélica na Câmara.