Quando o papa Francisco anunciou os nomes dos 17 novos cardeais durante o Angelus, na Praça São Pedro, no segundo domingo do mês, chamou a atenção dos brasileiros a escalação do arcebispo de Brasília, dom Sérgio da Rocha, alçado à condição de representante do Vaticano na capital federal. Mas uma leitura atenta da seleta lista romana desvenda objetivos mais estratégicos do líder máximo da Igreja Católica do que simplesmente nomear seus “diplomatas” nos países onde a maior denominação religiosa do ocidente fincou suas raízes. O primeiro passo é observar a composição geopolítica do elenco. Em seguida, sua formação religiosa e a declarada opção pelos pobres.

Os novos cardeais, em sua maioria, são espelhos de Francisco. “Um papa costuma escolher aqueles que têm afinidade com seu modo de pensar. Afinal, está formando uma equipe”, afirma Valeriano dos Santos Costa, diretor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Estão fora da Europa e professam uma religiosidade atuante, voltada aos menos favorecidos. Entre os 17 escolhidos, 13 têm menos de 80 anos e, portanto, estão aptos a votar no próximo conclave. São procedentes dos cinco continentes e de 11 países. Mas o que chama a atenção é a pouca representatividade dos europeus: apenas três, sendo somente um italiano – nacionalidade onipresente nas altas fileiras da Santa Sé. O pontífice explicou durante o próprio Angelus algumas das razões de sua seleção. “A origem em 11 nações expressa a universalidade da Igreja e manifesta a inseparável relação entre a sede de Pedro e as Igrejas particulares espalhadas pelo mundo.”

CONVOCAÇÃO: Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Brasília nomeado cardeal
CONVOCAÇÃO: Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Brasília nomeado cardeal

Igreja emergente

A escolha do elenco de solidéu vermelho nada mais é do que o retrato da Igreja Católica atual. Que cresce à revelia da Europa, um continente que assiste suas imponentes catedrais à míngua, enquanto países como Filipinas, Coreia do Sul e México lotam seus templos com o que pode ser chamado de “catolicismo emergente”. O pontífice argentino quis reconhecer, com a escalação de seu novo time de cardeais, essa atual realidade. Além disso, e não mais importante, aos 79 anos, Francisco está com os pensamentos voltados para sua sucessão. Até porque não refuta a hipótese de renunciar, possibilidade comentada abertamente em duas ocasiões.

Ao escolher mais treze cardeais com poder de voto no conclave, o papa influencia diretamente na escolha de seu sucessor. Sabe-se que quem o elegeu em 2013 foi o grupo liderado pelos americanos e latinos (incluindo os brasileiros), com a adesão dos africanos e asiáticos e um considerável adesão dos europeus não italianos. Mais do que um escolha geográfica, Francisco se debruçou a observar a conduta pastoral de seus auxiliares. Os escolhidos são homens da chamada “periferia” da Igreja. São religiosos que saem do conforto das sacristias e cúrias para se embrenhar na realidade do rebanho. Caso do arcebispo de Bruxelas Josef de Kesel, um fiel escudeiro de Bergoglio desde o conclave de 2005, quando Joseph Ratzinger foi escolhido. Ou o arcebispo de Indianopolis (EUA), Joseph W. Tobin, deposto em 2012, ainda na era Bento XVI, por ter apoiado abertamente feiras ultraprogressistas. Agora, Francisco o tornou cardeal.

O brasileiro dom Sergio da Rocha, 59, é outro desses exemplos dito progressistas. Ele é arcebispo de uma região considerada cardinalícia – que normalmente torna o arcebispo cardeal –, mas o papa poderia simplesmente ignorar essa deferência. Como presidente da Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil (CNBB), Rocha participou do Sínodo dos Bispos Sobre a Família e causou boa impressão. Pessoas próximas a ele dizem que costuma passar grande parte da semana, como arcebispo de Brasília, nas áreas mais pobres da cidade. Também prefere celebrar a missa de domingo na periferia, em vez de prestigiar na catedral local.Como o papa, o novo cardeal brasileiro também é um grande defensor dos pobres e marginalizados. Agora, estará mais próximo de Roma e dos planos de Francisco.

De padre torturado a cardeal

cardeais-03-ie

De Tirana, na Albania, o padre Ernest Simoni, 89 anos, assistia ao Angelus pela televisão, sua rotina de todos os domingos. Recitava a oração com o papa até que Francisco anunciou a convocação da lista de novos cardeais. E, surpresa, disse seu nome. “Jamais poderia pensar, sou um pobre missionário”, afirmou o sacerdote albanês. Os caminhos de Francisco e Ernest se encontraram em 21 de setembro de 2014, por ocasião da visita do papa a Albânia. Lá, o pontífice ouviu o testemunho do sacerdote (foto), encarcerado durante 27 anos, torturado, obrigado a realizar trabalhos forçados e reiteradas vezes condenado à morte durante a ditadura comunista. Agora, Ernest se tornará cardeal Simoni.

Fotos: Andre Penner e Eraldo Peres/AP Photo; L’Osservatore Romano/Pool Via AP