Eu sei que se trata de uma prática mundial e, certo modo, lógica, mas, no Brasil, governantes sobrevoarem locais colhidos por desastres, sejam naturais ou não, parece ser, mais que usual, obrigatório, e isso, diante do lastimável histórico político e de gestão pública, beira o escárnio.

Basta um desmoronamento de terra que arraste dezenas de barracos fincados ilegalmente em encostas, com a conivência do Poder Público, diga-se de passagem, e ceife a vida de centenas ou milhares de pessoas, para os governantes locais (principalmente) embarcarem em um helicóptero, chamarem seus marqueteiros e divulgarem imagens de homens públicos solidários e empáticos com as populações atingidas.

Não sou bom de memória e estou muito irritado para pesquisar detalhadamente, mas apenas nos últimos, sei lá, dez anos, catástrofes como as ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG), Petrópolis e região (RJ), Bahia (interior), Rio Grande do Sul, Pernambuco (interior), Rio de Janeiro e tantas outras – repito, naturais ou não –, vitimando milhares de brasileiros, foram “agraciadas” com o passeio aéreo de autoridades diversas: Fernando Pimentel (ex-governador de Minas), Dilma Rousseff (ex-presidente da República), Sérgio Cabral (ex-governador do Rio) e tantos outros zelosos governantes ­— contém alta dose de ironia, é claro.

Agora, no Rio Grande do Sul – outra vez! –, o sobrevoo pela devastação das enchentes apocalípticas contou com o presidente Lula, o governador Eduardo Leite, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Divulgadas à exaustão, imagens dos nossos líderes, chocados com tamanha tragédia, circularam com as costumeiras promessas de ajuda humanitária e financeira. Beleza. É isso mesmo.

Até porque, como poderia ser diferente, não é verdade? Porém, e daí minha indignação e eu me referir a escárnio no início deste texto, o que farão nos dias, meses e anos vindouros? O que mudarão em suas gestões e no trato com o dinheiro público? Aliás, o que “fizeram nos verões passados” para que tragédias assim não sejam, literalmente, anuais? A resposta todos sabemos: nada! Basta analisarmos os orçamentos passados e as obras preventivas realizadas, ou melhor, não realizadas.

Arthur Lira abdicará do chamado orçamento secreto em favor das vítimas? Rodrigo Pacheco desistirá do retorno dos quinquênios do Judiciário em prol da reconstrução de Porto Alegre? Lula reduzirá seus Ministérios e Secretarias? Eduardo Leite, dessa vez, aplicará recursos estaduais em prevenção? Não creio. Cazuza cantava: “Eu vejo o futuro repetir o passado”. Eu também. Por isso, um abraço e até o próximo passeio de helicóptero.