Os mundos de Dione Carlos: do teatro premiado à saga do cangaço na TV

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Premiada dramaturga, roteirista e atriz, Dione Carlos se consolidou como uma das vozes mais potentes da cena cultural brasileira. Seus trabalhos, que transitam entre o teatro, a televisão e o streaming, mergulham em temas como a ancestralidade e o protagonismo negro, desafiando estruturas e narrativas hegemônicas.

Com a peça “Cárcere ou porque as mulheres viram búfalos” foi amplamente premiada, e como roteirista, integra a equipe da novela “Guerreiros do Sol”, da Globo.

Em entrevista à ISTOÉ GENTE, a artista reflete sobre sua trajetória, os desafios da criação artística e a importância de contar histórias a partir de uma perspectiva afro-indígena.

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Confira a entrevista:

ISTOÉ: Você construiu uma carreira multifacetada como dramaturga, roteirista e atriz. Quais dessas áreas te desafiam mais e por quê?
Dione Carlos: O teatro é muito desafiador, tecer uma estrutura cênica que dê conta de materializar personagens, conflitos bem desenvolvidos, cenário, luz, sonoplastia, um texto que atue como uma espécie de cartografia, de mapa para todas as áreas de criação de uma peça, é uma tarefa árdua.

ISTOÉ: A ancestralidade e o protagonismo negro são temas recorrentes em seu trabalho. Como esses pilares se tornaram tão centrais em sua narrativa?
DC: Sou uma mulher afro-indígena, criada dentro de um terreiro de religião de matriz africana, embalada ao som de tambores, cantigas, orações, danças, tradições orais passadas de geração em geração. Escrevo a partir de um corpo que carrega essa memória “afrografada”.

ISTOÉ: Com suas peças encenadas em diversos países, como você percebe a recepção de temas tão brasileiros e específicos da nossa cultura em diferentes contextos globais?
DC: Há um reconhecimento da violência causada pelo colonialismo, além disso, as pessoas subalternizadas por esse sistema, que foram racializadas e inferiorizadas, são arrebatadas quando se veem representadas no palco.

ISTOÉ: Você teve um ano de 2023 muito premiado com “Cárcere ou porque as mulheres viram búfalos”. Qual foi a maior satisfação desse reconhecimento, além dos prêmios em si?
DC: O grande reconhecimento sempre foi de meus parceiros e parceiras de trabalho e do público, que sempre apoiaram meus textos. Os prêmios vieram bem depois, ao ponto de eu achar que não seria reconhecida nunca nesse lugar. Mas quando chegaram foram bem recebidos, e os porvir (espero), também serão.

ISTOÉ: Falando em “Guerreiros do Sol”, como foi o processo de pesquisa e escrita para uma obra que resgata uma parte tão complexa e muitas vezes silenciada da nossa história?
DC: George Moura e Sérgio Goldenberg, autores criadores da novela, passaram anos pesquisando sobre o cangaço. O projeto contou com a participação do pesquisador Frederico Pernambucano de Melo, a maior autoridade sobre cangaço no país. A dramaturgia de Guerreiros foi construída a partir do ponto de vista das mulheres, tanto as que estavam no cangaço, quanto as que estavam presas dentro das casas, igrejas, pros títulos.

ISTOÉ: Em um mercado tão dinâmico como o de roteiros para TV e streaming, quais são os maiores desafios e as maiores oportunidades para um roteirista hoje no Brasil?
DC: Saber escolher os projetos que fazem sentido. Eu venho do teatro, com uma trajetória de quarenta peças. Isso me levou a um senso crítico diante do que produzi. Escrevi várias séries ainda em produção, estou na segunda novela, passei por canal de streaming, sou roteirista na rede Globo há quatro anos. Escolher bons projetos é um desafio, valorizar o tempo empregado para construir uma boa história. Todo texto é um novo começo, sempre desafiador. Hoje, com a TV aberta e streamings, há várias possibilidades para quem escreve roteiros. Daí a importância de saber escolher com quem se associar.

ISTOÉ: Olhando para o futuro, quais são os projetos ou os temas que você mais deseja explorar em suas próximas obras?
DC: Quero escrever histórias de cura inspiradas em experiências de sobreviventes reais. Tocar nas sombras, no trauma colonial, mas sobretudo, falar da potência e da capacidade de reinvenção de quem segue onde a maioria desiste.