Seja por vocação, idealismo, oportunidade, ganância ou teimosia, empreender é o novo sonho brasileiro – e a maioria quer torná-lo realidade o quanto antes. É isso que aponta um levantamento da Endeavor, a maior organização global de apoio ao empreendedorismo. Depois de ouvir quase 4 mil pessoas de 14 cidades, a pesquisa “Cultura Empreendedora no Brasil” concluiu que 55% dos trabalhadores prefeririam ter o próprio negócio – e 61% têm planos de abrir uma empresa nos próximos cinco anos. Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) confirmam essa tendência. A cada dez brasileiros economicamente ativos, quatro já são empreendedores. Como não existe uma fórmula infalível para alcançar o sucesso no empreendedorismo, o primeiro passo é conhecer as histórias – e as lições – de quem venceu, entre erros e acertos, empreendendo no Brasil.

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Eleito na semana passada um dos 35 jovens mais inovadores do mundo pelo MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, Tallis Gomes é um exemplo de empreendedor nato. Seu pai era cabo da Polícia Militar. A mãe, cabeleireira, fugiu na boleia de um caminhão. Tallis foi criado pelo padrinho (que ele chama de “vô”) em Carangola, cidade mineira de 32 mil habitantes. Aos 14 anos, disposto a comprar uma bateria para sua banda de rock, passou a vender celulares a partir de anúncios publicados na internet. Mesmo sem ter o aparelho nas mãos, ele convencia o interessado a pagar adiantado pelo produto, que só seria entregue dias depois. Sua comissão: 25%. Nascia assim o primeiro “negócio” do hoje multimilionário fundador da Easy Taxi, o primeiro aplicativo para chamada de táxis no mundo, lançado em 2011 e levado para 35 países em quatro continentes. Depois de vender a empresa, em 2015, ele criou a Singu, “marketplace” de serviços de beleza e bem-estar com 1,2 mil profissionais cadastrados e dezenas de milhares de pessoas atendidas por mês em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Em “Nada Easy” (Editora Gente), livro que acaba de lançar, Tallis resume sua história de sucesso e os desafios de quem pretende criar uma empresa no Brasil, onde burocracia e carga tributária contribuem para criar um ambiente extremamente hostil aos negócios. O livro se propõe a ensinar sete passos decisivos para empreendedores. “O mais difícil é encontrar o ‘product market fit’”, diz Tallis. “É um nome bonitinho para definir se você oferece algo pelo qual as pessoas estão dispostas a pagar”. Uma ferramenta usada por ele antes de criar a Singu foi o portal Statista (www.statista.com), que reúne milhares de dados sobre os mais variados setores da economia, da indústria alimentícia a videogames. Devorar dados é uma marca registrada de Tallis e um hábito que se mostrou vital para enfrentar os críticos e os desconfiados. “Em 2011, quando fiz a Easy Taxi, muita gente dizia que, se esse negócio fosse bom, alguém teria feito nos Estados Unidos”. Tallis poderia estar errado, mas soube validar as premissas do negócio a ponto de garantir que ele ganhasse escala: em quatro anos, a Easy Taxi recebeu US$ 85 milhões em aportes de investidores e chegou a 420 escritórios em todo o mundo. Em junho, a Cabify, maior concorrente do Uber, anunciou uma fusão com a Easy Taxi por valor não revelado. Estima-se que a empresa estivesse valendo R$ 1 bilhão.

Saber transformar uma ideia em produto e validá-lo junto ao mercado é fundamental, mas só isso não garante que uma empresa sobreviva. A rede de consultórios odontológicos Sorridents, com quase 200 unidades, já somava uma década de vida em 2009 quando um aguardado financiamento não saiu e as dívidas quase a levaram à falência. “Vendemos carro, casa, precisamos demitir várias pessoas, enxugar os custos e trabalhar o dobro”, diz a dentista Carla Sarni, fundadora da empresa.

Foi no momento de sufoco que ela colocou em prática uma característica que considera fundamental para um empreendedor: a determinação. “Não se pode desistir no primeiro obstáculo”, diz. Empreendedora nata, Carla comprou sua primeira bicicleta, aos 12 anos, vendendo carretéis de linha na rua. Para pagar a faculdade de odontologia, vendia roupas e doces e ganhou o apelido de “camelô”. Por sete anos, a empreendedora reinvestiu na empresa todo o dinheiro que entrava.

PLANEJAMENTO

“A pessoa precisa entender onde ela tem maior chance de obter sucesso”, afirma Igor Piquet, coordenador de Apoio a Empreendedores da Endeavor. Para ele, “o mercado que está bombando é o que você conhece”. A expertise do empresário Guilherme Paulus na área de turismo foi o que lhe deu segurança para investir na criação de uma rede hotéis. Fundador da CVC, operadora que movimenta cerca de R$ 5 bilhões em reservas e embarca mais de 4 milhões de passageiros anualmente, ele criou em 2005 a rede GJP Hotels, hoje com 20 hotéis pelo Brasil e três inaugurações previstas para 2017. “Foi na CVC que começamos a vender viagens pelo Brasil, para a classe média brasileira, em um momento que as agências de viagens focavam apenas a venda de viagens para o exterior, para a classe endinheirada, que era mais volátil nos tempos de crise”, afirma.

“Também expandimos nossa marca em um momento que as agências de viagens só funcionavam em prédios e horários comerciais. Vimos a oportunidade de abrir agências em shoppings, para que o cliente pudesse escolher a viagem com a família, com toda a conveniência que esses centros comerciais oferecem”.

Apesar do conhecimento acumulado em décadas como operador de turismo, o empresário diz que precisou se reinventar ao investir no setor hoteleiro. “Antigamente, muitas decisões eram baseadas na experiência acumulada que eu tinha no negócio. Hoje em dia, todas as decisões são resultados de planejamentos estratégicos, aprovadas em reuniões de conselhos”, diz ele, que credita seu sucesso como empreendedor a uma combinação de otimismo e coragem.

Foram essas características que fizeram a empreendedora Cleusa da Silva, fundadora da franquia de doces Sodiê, enfrentar madrugadas adentro cozinhando bolos na cozinha de sua casa quando ainda era empregada doméstica. Filha de boia-fria, ela havia se separado e tinha um filho pequeno quando começou a fazer doces em casa, há mais de vinte anos. Com o dinheiro da rescisão de seu antigo emprego e a ajuda do irmão, abriu a primeira loja, de 20 metros quadrados. Sempre preocupada com a reputação de sua empresa, chegava a atrasar o pagamento da conta de luz de sua casa para bancar o aluguel do pequeno negócio. Hoje, a rede conta com quase 300 franquias em 13 estados. A Sodiê cresceu, segundo ela, graças à boa administração. “Eu não entendia nada disso, mas sabia que não podia gastar o que não tinha: se ganhava só para pagar as contas, eu trabalhava para isso e não as atrasava.” A dificuldade foi profissionalizar a empresa, um processo que demorou mais de uma década e se tornou essencial quando o negócio virou uma rede de franquias. “Por 15 anos eu achava que só eu conseguia administrar meu próprio negócio. Demorei muito para confiar em outras pessoas que eram qualificadas e podiam fazer isso tão bem quanto eu. Se tivesse me dado conta disso antes, as coisas teriam sido mais fáceis”, diz Cleusa.

“Existe um mito no mercado de que o investidor é como se fosse um prêmio, mas ele quer o dinheiro de volta, pelo menos três vezes em um prazo de seis a sete anos” Igor Piquet, coordenador de Apoio a Empreendedores da Endeavor

“É importante pensar grande. Há várias empresas legais, inovadoras, mas o empreendedor não se preparou para o crescimento”, diz Igor Piquet, da Endeavor. O termo “anjo” surgiu quando as primeiras start-ups de tecnologia buscavam aporte para colocar suas ideias em prática. O anjo entra no negócio não apenas com capital, mas também com conhecimento e rede de contatos. “Ele busca negócios que possam gerar um bom retorno para o investimento, que tenham potencial de se tornar grandes, de centenas de milhões”, diz Cassio Spina, investidor-anjo, fundador e presidente da Anjos do Brasil, que conecta empreendedores a investidores. “Existem negócios que podem ser bons para o empreendedor, mas não vão ter essa perspectiva de crescimento”.

Satisfaça seu cliente

Levantar dinheiro para abrir um negócio é sempre difícil, e a situação, claro, só piora em tempos de aperto no crédito como ocorre no Brasil. Quem pretende arriscar o próprio dinheiro e o de investidores deve antes ter respostas para duas importantes perguntas: “Quem você vai beneficiar?” e “O que você vai mudar na vida das pessoas?” Se você não puder responder, seu projeto não terá sucesso. Esse é o conselho de Edgard Corona, fundador do Grupo Bio Ritmo, um império no mundo fitness com as rede de academias Bio Ritmo e Smart Fit. Corona conta que tudo mudou quando o grupo deixou de focar nos processos e passou a trabalhar com o foco no cliente. “Os processos diminuem custos, ajudam a melhorar experiências, mas o que importa no final não é o processo, é o nível de satisfação do cliente”, afirma. Para o empreendedor, empresas que não trabalham com propósito não são significantes para os clientes. Há três anos o Grupo Bio Ritmo contava com 180 unidades. Atualmente são 380 unidades da Smart Fit, além de 30 unidades da Bio Ritmo. “O dinheiro é consequência de uma equipe engajada e de um cliente satisfeito e atendido”, afirma.

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Conheça seu perfil de empreendedor

Qual sua motivação para empreender?
(a) Realizar um sonho
(b) Fazer do meu jeito e ser reconhecido por isso
(c) Agarrar a oportunidade que surgiu
(d) Contribuir, fazer a minha parte
(e) Ganhar dinheiro

Qual característica se destaca em você
(a) Vejo a vida com encanto e interesse
(b) Sou fiel às minhas crenças
(c) Em geral, sou pouco otimista
(d) Viso o lucro, mas não a qualquer custo
(e) Quero cumprir as minhas metas

Como você define seu comportamento?
(a) Quero empreendedor sempre, ainda que trabalhe para outras pessoas
(b) Mesmo na condição de empregado, sou bastante crítico e proponho mudanças
(c) Tenho aversão ao risco e pretendo continuar como estou
(d) Quero ter um negócio cujo impacto seja positivo para a sociedade
(e) Sou ambicioso

RESPOSTAS:
Maioria
a. Natos “Eu tenho alma de empreendedor”;
b. Meu Jeito “O melhor jeito é o meu jeito”;
c. Situacionista “Fui levado ao empreendedorismo”;
d. Idealista “Quero mudar o mundo”;
e. Em busca do milhão “Show me the money!”