O que leva um mandatário, contra todas as evidências de malfeitos e até com indiciamento já estabelecido pela Polícia Federal, a manter no cargo um ministro acusado de montagem de um laranjal e de esquemas eleitorais fraudulentos? O que propõe um governo que começa a atuar claramente para brecar e dissolver apurações de corrupção aberta, apesar de ter sido eleito sob a bandeira do combate implacável a essa prática? O que quer Jair Messias Bolsonaro quando acoberta seu filho Flávio, impõe a lei do silêncio a órgãos para que nada seja investigado, demite quem insiste no contrário e parte a incentivar setores e juízes que, ao lado dele, maquinam para implodir com a Lava Jato, a mais bem sucedida e atuante operação de desbaratamento de quadrilhas do colarinho branco em todo o mundo? No conjunto e em partes essas questões dão hoje o tamanho das inconveniências que cercam o presidente. Ele, pessoalmente, talvez inadvertidamente, se propõe agora a atravessar a fronteira do certo e do errado, rumo ao ilegal e ao imoral, para garantir as tramoias dos aliados, familiares e mais chegados. Se o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, é acusado de comandar um esquema de desvio de recursos públicos por meio de candidaturas femininas de fachada nas últimas eleições, se também é denunciado por crimes de falsidade ideológica, apropriação indébita de recursos e associação criminosa, qual o problema? O intocável Marcelo é escolha sacada da conta particular do capitão, tem o apoio, confiança e garantia de estabilidade daquele que atende também pelo sobrenome de Messias. Amigo do rei, amigo do “Mito”. É o que importa. Onde já se viu isso? Em estruturas consumidas por irregularidades. Decorre daí a interpretação livre e direta da maioria sobre o intocável Marcelo: se ele não cai é porque alguém acima dele tem rabo preso. Com ele ou com malfeitos da mesma lavra. Dias atrás o jornal “Folha de S. Paulo” apontou que a chapa do então candidato Jair Bolsonaro recebeu dinheiro por fora do mesmo laranjal que implica o ministro, tendo material de propaganda financiado pelo esquema. O presidente negou com a verborragia de sempre. Partiu para o achincalhe, chamando o veículo de esgoto do jornalismo e de outros impropérios. Mas não explicou. Pensa calar assim as dúvidas? Ao Contrário. Elas vão formando uma névoa de desconfiança densa que toma conta da gestão e de tudo envolvendo o governo já no primeiro ano. Não tivesse nada a esconder, deveria despachar o ministro do posto para que o mesmo prestasse contas e esclarecimentos à Lei, ao invés de mantê-lo aconchegado e protegido sob as asas do Planalto. No ar fica a pergunta que não quer calar: o que segura o ministro intocável? Da mesma safra de gambiarras, vamos nos ater por vez ao caso do primeiro filho, Flávio, também intocável – como de resto são seus irmãos, por motivos óbvios. Já se sabe de antemão, público e notório, dos inexplicáveis elos dele com milicianos, dos cheques de origem duvidosa que recebeu em conta particular, das provas de mensalinho e da contratação de funcionários fantasmas. Pois Flávio, o encalacrado, é também quem atua diretamente no Senado para barrar uma CPI da Lava Toga, cujos focos das investigações seriam os ministros do Supremo Tribunal Federal. Os mesmos que deram guarida à causa de suspender o acesso a seus dados financeiros para efeitos de apuração policial. O empenho e engajamento do primeiro filho na cruzada pró-STF, longe de motivos nobres, seguem na base daquele princípio de “uma mão lava a outra”. Magistrados o protegem e vice-versa. O lamaçal envolvendo as movimentações do senador é tão repugnante que o próprio partido da base presidencial, o PSL, avalia desistir da aliança. Um dos cabeças da agremiação, major Olímpio, reagiu indignado às negociatas do colega de Parlamento dizendo, textualmente, “Flávio Bolsonaro para mim acabou”. As desavenças entre o mandatário, seus familiares e os membros do primeiro escalão do PSL não param por aí. A legenda, fortemente crivada por acusações de desvios de finalidade, montagem de laranjal e outros cambalachos, incomoda – vejam só! – os planos do chefe da Nação. O presidente quer se descolar dessa mancha de desconfiança e discute entre os mais próximos até um eventual desembarque, retirando a própria filiação. Em público diz que não vai sair, mas nos bastidores articula a montagem de um partido independente onde mande à vontade e possa deliberar quem entra e quem sai. Interlocutores do Mito asseguram que ele já bateu o martelo nesse sentido. Jogo de cena ou não, Bolsonaro vai tentando a ferro e fogo impor as suas vontades e métodos. Na tábua de mandamentos professada por ele, aqueles da patota jamais estão errados, cometam o pecado que for. Lembrem: é o Mito quem dá o juízo final. Desponta desse fundamento a blindagem do ministro Marcelo e do filhão Flávio, dentre outros. O ministro, sem se esforçar para qualquer explicação às suspeitas, vai tentando esconder as laranjas podres cultivadas na caminhada eleitoral. Ignora e desqualifica o trabalho do Ministério Público, da PF e da Justiça para dizer que os indícios colhidos não possuem qualquer valor ou verdade. Há acusações já demonstradas de pagamentos sem recibo e com dinheiro em uma caixa de papelão da Lacoste durante a campanha. Não importa. A impunidade no poder é o nome da prática que continua em voga mais do que nunca. Para dar um revestimento legítimo e de caráter profissional ao cordão de isolamento, o presidente escolheu de passagem o novo procurador-geral da República, Augusto Aras, nome sugerido pelo triunvirato de filhotes. Aras, fiel e agradecido pela benevolência de Messias, já dá tratos a ideia de validar mensagens irregulares, veiculadas pelo site “The Intercept”, para desacreditar a Lava Jato. É do interesse direto dos intocáveis abafar as constrangedoras ligações levantadas pela operação. Ganham os intocáveis e demais políticos animados em acobertar o que fizeram. Perde o Brasil.


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