Os interesses de Lula em contar com Boulos na Esplanada dos Ministérios

Luma Venâncio/IstoÉ
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Guilherme Boulos (PSOL) Foto: Luma Venâncio/IstoÉ

Sinalizações recentes indicam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltará a movimentar a Esplanada dos Ministérios com a nomeação de Guilherme Boulos (PSOL) para a Secretaria-Geral da República. Conforme alegaram servidores próximos ao petista, a intenção é de que o anúncio seja feito a partir de sexta-feira, 26, na volta de sua viagem aos Estados Unidos.

Deputado federal com mais de 2 milhões de votos em 2024, Boulos assumiria a cadeira atualmente ocupada por Márcio Macêdo – que já demonstrou desconforto com a hipótese. A troca aconteceria em um momento de esfriamento da relação entre governo Lula e o “centrão”, em meio a articulação estratégica para a campanha de 2026.

Neste texto, a IstoÉ explica os interesses e as vantagens esperadas pela suposta troca ministerial, além dos empecilhos que podem preencher o caminho da associação entre PSOL e PT.

Quem é Guilherme Boulos?

Guilherme Boulos, 43 anos, é deputado federal por São Paulo (PSOL). Filósofo formado pela USP, tornou-se conhecido como coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), onde atuou por quase 20 anos na luta por moradia.

Em 2018, concorreu à Presidência, mas teve só 0,58% das intenções de voto. Em 2020, chegou ao segundo turno na eleição para a prefeitura de São Paulo, quando foi derrotado por Bruno Covas (morto em 2021).

Foi eleito deputado federal mais votado do estado no ano seguinte, ganhando tração como uma das principais lideranças da esquerda no país. Já em 2024, o psolista candidatou-se novamente à Prefeitura de São Paulo, disputou o segundo turno contra Ricardo Nunes (MDB), mas foi derrotado por Nunes, que foi reeleito.

O que é a Secretaria-Geral da República?

A Secretaria-Geral da Presidência da República serve para assessorar diretamente o presidente. Sua principal função é coordenar a relação do governo com a sociedade civil, incluindo movimentos sociais, ONGs e conselhos de participação social. Essa característica faz com que Boulos seja associado ao cargo, tendo em vista a experiência com a articulação popular.

A SGP organiza a agenda presidencial, prepara informações para as tomadas de decisões do mandatário e atua como um elo entre os diferentes ministérios e o Palácio do Planalto.

Lula, os velhos amigos e o fator juventude

Os interesses de Lula em contar com Boulos na Esplanada dos Ministérios

Lula e Boulos em evento do dia 1º de maio

Um dos significados explícitos no movimento de Lula é o aceno para eleitores mais à esquerda, dos quais o próprio mandatário costuma ser alvo de críticas da base devido às concessões para aliados de centro. No cenário em que partidos considerados “fisiológicos” — como União Brasil e PP (Progressistas) — deixam a equipe do governo e pautas da extrema-direita perdem credibilidade nacional, o presidente parece ver seu eleitorado tradicional como alvo da campanha de 2026.

Segundo explica o cientista político da Universidade Mackenzie Rodrigo Prando, o petista se elegeu por uma margem muito pequena em 2022, composta por votantes considerados “indecisos”. Não afeiçoado a Lula e contagiado pelo antipetismo, esse contingente só pendeu para a esquerda ao ver a ruptura da direita com as regras políticas formais, tendo como seu maior exemplo o bolsonarismo.

Enquanto Jair Bolsonaro (PL), durante sua gestão (2018-2022), pouco se preocupou em oferecer concessões e ainda cresceu em votos, Lula pratica um governo de coalizão e acaba perdendo eleitorado histórico – como moradores da região Nordeste e quem ganha até dois salários mínimos.

“Muitas vezes as pesquisas mostraram que Lula perdeu apoio em setores que historicamente sempre votaram no PT. Então, com Boulos, Lula tenta trazer para o debate e dar visibilidade a alguém que reforça o campo político progressista e da esquerda. […] Você tem que fazer acenos para quem sempre esteve do seu lado”, diz.

Prando avalia que, diferentemente do que se esperava ao tolerar uma base ampla no governo, a administração do PT enfrenta dificuldades com as demais legendas de centro. Especialmente materializados no Congresso Nacional, atritos entre os Poderes costumam dominar parte das problemáticas do País.

Se o presidente planeja reeleição com maior folga no próximo ano, talvez intencione aproveitar as derrotas jurídicas do âmbito bolsonarista e recuperar diálogo com movimentos sociais, algo que Boulos pode facilitar.

“Quem elegeu o Lula não foram os petistas ou o eleitor clássico, mas aquele que apostou no Lula rejeitando o Bolsonaro. Só que, no fundo, essa inflexão que foi feita para trazer políticos do centrão não tornou a vida do governo mais fácil, inclusive porque se tem hoje o manejo do Legislativo por emendas parlamentares que enfraqueceu muito o poder de atratividade que o Executivo tinha antes”, analisa Prando.

 

Porém, conforme pondera o presidente do instituto de pesquisas Travessia, Renato Dorgan, Lula não pode dispensar os votos do “centrão”. Mesmo que tal eleitorado não faça parte dos apoiadores mais fiéis, eles são decisivos para disputas de segundo turno, por exemplo.

“Lula também não pode abrir mão do voto de centro, do ‘centrão’ em si, que representa de 10% a 15%. Esse eleitorado no segundo turno foi importantíssimo para o Lula”, ressalta Dorgan.

Outro ponto destacado na suposta ida de Boulos ao governo federal é a desenvoltura com as redes sociais e, consequentemente, interlocução com um público jovem. 

A gestão Lula e demais lideranças de esquerda costumam ser criticadas pela má organização digital, que muitas vezes não consegue estabelecer a mesma eficiência dos conteúdos de direita. Algumas exceções, como Guilherme Boulos e Erika Hilton (PSOL), conseguem manter contato com a juventude e agitar mobilização social por meio da comunicação nas redes.

Em diversos momentos, os correligionários tiveram embates diretos com postagens do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) – um dos nomes de destaque da comunicação digital exercida pela ala conservadora.

“No campo da esquerda, o Boulos trabalha muito bem com as redes sociais. Isso é algo que mostra como ele está muito à frente do restante da esquerda e do próprio Lula. Ele tem uma presença digital com uma boa linguagem, enfrentando inclusive figuras da extrema-direita que muitos outros do PT ou progressistas não fazem com a mesma eficiência”, explica o professor Prando, da Universidade Mackenzie.

As pesquisas de público emitidas durante as últimas eleições confirmaram que o psolista tem destaque entre o eleitorado mais jovem e escolarizado, conexão importante para a campanha de Lula. O mandatário mostrou-se satisfeito com a capacidade de movimentação exibida por Boulos nas últimas manifestações do campo da esquerda. No ato contra a PEC da blindagem, o deputado foi uma das principais vozes de mobilização e, aliado às redes sociais, viu mais de 40 mil apoiadores reunidos na Avenida Paulista, segundo XXX.

“O presidente Lula gostou da articulação do Boulos, especialmente no final da semana passada com os movimentos que foram às ruas contra a PEC da blindagem. Então Lula entende que talvez a contribuição do Boulos no governo seja positiva”, avalia o professor.

Ambos os entrevistados também consideram que Lula enxerga em Boulos um possível sucessor. O deputado, ainda jovem para a vida política, teria no cargo de ministro um “salto no currículo”, ganhando maior visibilidade e superando os limites da campanha para prefeito de São Paulo.

“Parece que Boulos talvez seja alguém que Lula enxergue como sucessor real. Já que várias tentativas foram feitas – Dilma naufragou, Haddad tem um limite eleitoral – Boulos talvez esteja sendo preparado para ser projetado como um sucessor natural”, indica o presidente do instituto de pesquisas Travessia, Renato Dorgan.

Nem tudo são flores

Guilherme Boulos

O deputado Guilherme Boulos (PSOL)

 

Apesar das expectativas, alguns empecilhos drenam a tranquilidade da troca de ministros. A gestão Lula sofre com a problemática da desincompatibilização – ou seja, o eventual afastamento dos servidores do governo para que eles concorram a outras eleições (prefeito, governador, senador, deputado, etc.). Caso Boulos seja levado ao Ministério, lideranças do PSOL podem pressioná-lo para que deixe o cargo futuramente e represente o partido nas eleições de São Paulo.

Procurado pela reportagem, o PSOL alegou que não comentará o assunto oficialmente até que seja dada a confirmação.

Já o deputado federal e presidente do PT São Paulo, Kiko Celeguim (PT), enfatizou à IstoÉ a confiança atribuída a Boulos, destacando o contingente eleitoral do deputado e sua capacidade de mobilização social. Segundo ele, o psolista é um “aliado preferencial do PT no cenário político”.

“Boulos foi nosso candidato à prefeitura de São Paulo e fez uma campanha brilhante de enfrentamento à direita e ao bolsonarismo na capital, com mais de 2 milhões de votos recebidos”, salientou.

“O ministro Márcio Macêdo faz um grande trabalho que ele tem condições de continuar e contribuir muito com o governo Lula na relação com os movimentos sociais, neste momento em que a mobilização popular se tornou fundamental no avanço da nossa pauta prioritária para o futuro do Brasil”, completou o presidente do PT em São Paulo.

Uma vez na Esplanada dos Ministérios, Guilherme Boulos deverá balancear a importância de cada disputa e decidir qual priorizar – prefeitura de São Paulo ou campanha de reeleição de Lula em 2026. Analistas indicam que, por ser muito jovem e ver na Secretaria-Geral uma forma de elevar as possibilidades antes limitadas pelo cargo de deputado, Boulos tenderia a favorecer a gestão do petista.

Além disso, a confirmação de sucesso de Boulos na prefeitura de São Paulo parece mais complexa do que a própria reeleição de Lula, que aparece liderando as pesquisas presidenciais e sabe aproveitar a escassez de substitutos a Bolsonaro.

A indicação de Guilherme Boulos também enfrenta resistências internas e externas. No PT, uma ala mais pragmática da sigla considera a imagem “radical” de Boulos um risco para alianças com setores moderados, podendo agravar o isolamento do Planalto.

No PSOL, uma ala da legenda rejeita a subordinação ao PT, temendo que o partido perca autonomia e se torne um “apêndice” do governo

Tensão interna

Os interesses de Lula em contar com Boulos na Esplanada dos Ministérios

Embora fontes internas deem como certa a nomeação de Boulos, Márcio Macêdo classificou a hipótese como “fofoca” e disse, em entrevistas na sexta-feira, 26, sofrer um “cerco político”.

O ministro alega que Lula nunca discutiu sua demissão, mas não é a primeira vez que seu cargo é ameaçado. No início do ano, quando Paulo Pimenta deixou a Secom, especulou-se que ele assumiria a Secretaria-Geral.

A Esplanada já enfrenta outras mudanças. Na sexta-feira, Celso Sabino pediu demissão do Ministério do Turismo, atendendo a uma exigência do União Brasil. Com isso, sobe para treze o número de trocas ministeriais realizadas por Lula desde o início de seu mandato, em janeiro de 2023.