Não há mais dúvida, nesse início de transição, nem bem começou ainda o novo governo, as inúmeras frentes de guerra estão postas e a ofensiva lulista terá de encarar munição pesada dos opositores para fazer vingar seu plano de gestão. Grupos setoriais, dentro e fora do Parlamento, vêm se armando para responder à altura contra o que consideram afrontas aos direitos adquiridos. Direitos? A ver, mas eles encaram assim. O lobby armamentista, por óbvio dos mais aparamentados e que, figurativamente, representa o tamanho do poderio da turma, avisou que resistirá das maneiras possíveis contra o “revogaço” prometido por Lula. Diz não aceitar de forma alguma a revisão da escalada de decretos que facilitou o acesso dos brasileiros a revólveres, pistolas, espingardas e quetais, embalados pelo conceito do capitão em fim de mandato de que “povo armado jamais será escravizado”. Por incrível que possa parecer, a onda absurda capaz de incitar um bang bang político de facções sem precedentes e promover a atuação de justiceiros ideológicos que foram às vias de fato, com execuções sumárias de adversários, tomou conta, deixando o País à mercê de autênticas milícias, como em um faroeste caboclo. O bloco da bala acha que será bem sucedido na garantia das atuais regras com a alegação pueril de que gera empregos e movimenta escala considerável do PIB. A questão da violência implícita, naturalmente, não é colocada à mesa. Nos quatro tumultuados anos de radicalização das falanges do “mito” triplicaram as vendas desses artefatos, inclusive de fuzis de alto calibre. Um despropósito sem fim, enquanto o mundo segue em rumo oposto. Lula quer brecar o delírio armamentista, com uma ampla revisão do regulamento de posse e porte. Não é só, no front tributário, em outro campo de batalha, cresce a ideia de uma taxação mais pesada por níveis de renda e nos dividendos. A grita dos insatisfeitos com a alternativa não é menor. Há um grande novelo de impostos que precisa ser desenrolado, buscando a simplificação – e até a diminuição da carga, se possível – antes desse delicado embate. No cerne do ajuste de arrecadação estão, como não poderia deixar de ser, as pressões por gastos extras. O mais excruciante deles: o do Orçamento Secreto. Capo da Câmara dos Deputado, Arthur Lira, no controle dos desígnios da Casa, já mandou avisar que não recua “um milímetro” sequer na ideia de manter as famigeradas emendas do relator, com a forma, fundamento e valor anteriormente firmados e endossados pela tropa de Bolsonaro. A alegação do cacique Lira: é “mais democrático” concentrar dinheiro público nas mãos de congressistas do que na de ministros que não foram eleitos. Tudo indica, evidentemente, que está devidamente anarquizado o sistema. Sequestraram, na cara dura, o papel do Estado de arbitrar recursos de acordo com as prioridades nacionais e passaram a determinar eles mesmos – movidos obviamente pelos dividendos eleitoreiros que as escolhas trazem em cada um dos seus currais de votos – o que é válido ou não. Por essa via e critério, o açude do aliado na esquina, que gera, além de água, apoio, torna-se mais atraente que a escola nos cabrobós de Judas, de dividendo eleitoral nenhum. Os defensores da insofismável esbórnia financeira dessas emendas, que funcionam tal qual um Mensalão sem limites, nem coram ao tratar do tema. Pedem a garantia do pixuleco desavergonhado e acenam, em contrapartida, com a esperada PEC da Transição, que, na base da chantagem e do toma lá, dá cá, seria aprovada sem ressalvas. O escambo prenunciado virou há muito tempo modus operandi na “Casa do Povo”. A folga adicional de verba (fora do teto) para custear o mínimo das demandas sociais e de pastas estratégicas, como Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia, cujos caixas estão à mingua após a tesourada inclemente promovida pelo atual inquilino do Planalto, não terá aval por outros meios. Triste de ver. Eis aí o confronto épico de Lula na jornada de governo que ainda nem bem começou. Existe de pano de fundo uma distopia do mercado, que trabalha contra e torce negativamente, atribuindo ao próximo presidente a responsabilidade pelas traquinagens fiscais do atual. A realidade conta o contrário dessa versão. A tarefa de reconduzir o Brasil de volta aos trilhos, após a desordem orçamentária que um certo Messias promoveu, não é pequena. Lula 3.0 enfrenta pressão para fraquejar e terá de revalidar um arsenal amplo de munição se quiser sair vitorioso em mais essa refrega campal.