Na hora dos grandes achados, uma imagem poética pode ser o germe do mundo, disse Gaston Bachelard. Perceber a imagem poética pode ser difícil se estivermos embotados pelos sentimentos do cotidiano ou imerso em nossas batalhas pessoais. Ou mesmo em nosso egoísmo. Assim, podemos — às vezes — perder o momento dos grande achados. Em uma imagem mais vulgar, o ônibus passou enquanto olhávamos para os nossos botões.

Outras vezes, mesmo vendo o ônibus passar, por estarmos abstraídos não percebemos o extraordinário da situação. Grandes achados a partir de imagens poéticas podem passar diante de nós sem serem notados. Algumas vezes são recuperados. Outras vezes se perdem na eternidade do passado. O que fazer se a imagem poética de um grande achado nos escapa? Talvez lamentar. Ou olhar para o nosso arquivo mental tentando recuperá-la.

O par de olhos do anúncio de uma ótica em O grande Gatsby, de Scott Fitzgerald, é uma imagem poética notável. Até mesmo por ter sido descrita e, consequentemente, imaginada. Não foi mostrada até que se fizessem filmes sobre a obra do autor americano. A imagem dos olhos deu origem a diversas interpretações. Uma delas é a de que representaria o vazio do sonho americano. Algo contraditório, pois até hoje, décadas depois da publicação do livro, milhares disputam um lugar no sonho americano.

O que importa, porém, é que a imagem poética que pode partir dos olhos é uma das mais poderosas expressões de nossa existência. Nada supera o poder de um olhar. Paradoxalmente, muitos veem, mas poucos sabem ou conseguem olhar. Outros não sabem perceber a sua força. Por isso o impacto da imagem poética de um olhar não é trivial.

Outro paradoxo está no fato de cruzarmos com centenas de olhos nos olhando, nos examinando e nos analisando todos os dias. E, provavelmente, não nos damos conta de grandes achados nem de imagens poéticas acontecendo no dia a dia. Por quê? Creio que nossa civilização está em um estágio em que os sentimentos devem ser provocados a partir de dramas ou de situações que abalem, de forma agressiva, nossa normalidade.

Estamos cobertos de cascas de preconceitos que nos orientam para direções que concebemos como corretas. Inclusive no tocante aos grandes achados. Estaríamos perdendo nossa sutileza antes mesmo que ela se tornasse predominante? Parece que sim.

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Outro bloqueio está na possibilidade de não querermos encontrar grandes achados que possam abalar nossa vidinha. Grandes achados têm um imenso poder desestabilizador. Podem destruir instituições e relações. Um par de antolhos limita o campo de visão. Antolhos mentais limitam o campo de percepção. Será que o que os olhos não veem o coração não sente? Uns dizem que sim, outros dizem que não. As imagens poéticas sobrevivem tempos depois de terem sido vistas. Têm o poder de transformar o ser humano ao longo do tempo. Como os efeitos da radioatividade.


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