Como caçadores de nazistas, Dafroza e Alain Gauthier dedicaram quase 30 anos de suas vidas a localizar os autores do genocídio da etnia tutsi em Ruanda que fugiram para a França, onde sete homens já foram condenados.

“Quando localizamos o assassino, vamos ao local do crime em Ruanda, procuramos sobreviventes e começamos a investigação”, diz Dafroza Mukarumongi-Gauthier a um grupo de alunos de uma escola de ensino médio em Reims, no norte da França.

No final de março, centenas de estudantes do terceiro ano do ensino médio lotaram a sala onde a mulher de 69 anos e seu marido Alain, de 75, contam sobre sua batalha contra a “impunidade” e por “justiça”.

O casal apelidado de “os Klarsfelds de Ruanda” – em referência a Beate e Serge Klarsfeld que dedicaram suas vidas a encontrar nazistas escondidos – também luta para garantir que o genocídio não seja esquecido.

A tragédia marcou suas vidas há 30 anos, quando Dafroza viajou para Kigali para ver sua família no final de fevereiro de 1994, quando a tensão neste país da África Oriental já estava forte, com milicianos da etnia hutu espalhados pela capital.

Sua mãe pede então para que ela fuja e se reúna com seus irmãos na França. Embora tenha tentado retirar sua família de Ruanda, Dafroza não conseguiu e depois disso nunca mais viu seus familiares, conta ela à AFP, com o rosto ainda marcado pela dor.

Sua mãe foi morta a tiros em 8 de abril de 1994 em frente à igreja onde tinha se abrigado. “Tios, sobrinhos, primos…”, toda a sua família materna foi dizimada.

O genocídio da minoria tutsi pelo regime extremista hutu então no poder causou mais de 800.000 mortes entre abril e julho de 1994 e mergulhou este pequeno país no abismo.

– “Cumprimos o nosso dever” –

As autoridades de Ruanda acusam a França, que mantinha estreitas relações com o regime hutu do presidente Juvénal Habyarimana, de “cumplicidade” no genocídio.

Em 2021, uma comissão de historiadores, idealizada pelo presidente francês Emmanuel Macron, concluiu que o país tinha uma “responsabilidade assustadora” nos massacres.

Muitos dos genocidas se refugiaram na França, onde foram acolhidos de forma “indulgente”, denuncia o casal. Eles tiveram uma vida anônima como médicos, padres, funcionários municipais, entre outros.

Junto ao Coletivo das Partes Civis por Ruanda, fundado em 2001, os Gauthier estão por trás da maioria de denúncias apresentadas na França contra estes cidadãos ruandeses.

Das mais de 30 queixas, algumas já levaram à condenação de sete homens a penas entre 14 anos de prisão e prisão perpétua por sua participação no genocídio.

“Felizmente fizemos este trabalho por uma questão de justiça”, do contrário, “nenhum genocídio teria sido julgado e condenado na França”, uma vez que o Ministério Público só começou a investigar o massacre por iniciativa própria em 2019, garante Alain.

O compromisso do casal o levou a percorrer as colinas de Ruanda três ou quatro vezes ao ano em busca de testemunhos de sobreviventes, ex-assassinos ou prisioneiros.

Esta “justiça nos permite acabar com o luto”, “reabilitar as vítimas”, declarou Dafroza, que junto a Alain, passou noites em claro atormentada pelas histórias de terror e traumas dos sobreviventes.

Muitas das vítimas, cujos corpos foram lançados em valas comuns, não puderam ser identificadas, logo, “a única sepultura” e “enterro digno que podemos oferecer-lhes é a justiça”, acrescenta.

O casal considera “importante” recordar os 30 anos do genocídio no próximo domingo (7), sobretudo para as gerações mais jovens que não a viveram, e acredita que contribuiu com o seu “pequeno grão de areia para a reconciliação em Ruanda”.

“Nós comemoramos isso quase todos os dias em nossos corações. Vivemos com isso há 30 anos”, diz Dafroza.

“Cumprimos o nosso dever”, enfatiza Alain.

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