Na semana passada, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), agiu mais uma vez de forma intrigante em um episódio envolvendo colegas de tribunal. Assim que surgiu a denúncia de que o ministro Edson Fachin, o relator da Lava Jato, havia sido investigado pela Abin – Agência Brasileira de Inteligência -, a magistrada reagiu de bate pronto em defesa do companheiro. Em nota, afirmou ser “inadmissível a prática de gravíssimo crime contra o Supremo Tribunal Federal”. Apressou-se em dizer isso mesmo diante de uma denúncia frágil, não comprovada por fatos, e que até hoje permanece meio obscura. O açodamento teve de ser reparado dois dias depois, quando Cármen Lúcia veio a público novamente, desta vez para colocar água na fervura. Após conversar com o presidente Michel Temer, que negou qualquer investigação sobre Fachin, a juíza disse que não tomaria qualquer providência.

O comportamento da presidente do STF em correr em defesa de Fachin chamou a atenção. Semanas atrás, ela teve atitude oposta em relação a outro companheiro de tribunal, o ministro Gilmar Mendes. Na ocasião, Mendes acusou a Procuradoria Geral da República (PGR), comandada por seu desafeto, Rodrigo Janot, de procurar provas contra ele nas buscas e apreensões contra o senador Aécio Neves. Cármen Lúcia não se moveu para defender Gilmar. Só fez isso, de maneira protocolar, depois que o ministro reclamou, comparando as respostas da juíza em seu caso e no caso de Fachin. Gilmar disse que a ministra deveria assumir a defesa institucional do tribunal e de todo o Judiciário. “E não só de um ou de outro”, afirmou. Cármen Lúcia disse então que qualquer irregularidade, inclusive da PGR, não seria tolerada contra ministros e demais cidadãos. E encerrou o assunto.

JUÍZO Hoje, questiona-se se decisões tomadas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal são menos técnicas do que deveriam (Crédito:José Cruz/Agência Brasil)

Sem sombra de explicação

O episódio evidenciou o fato de que, muitas vezes, pesos e medidas não são iguais para Cármen Lúcia. Não se vê, por exemplo, a presidente da mais alta corte do País exigir do ministro Fachin respostas a duas acusações que pesam contra ele, ambas muito sérias. A primeira seria a de que o relator da Lava Jato teria participado de um jantar regado a muita bebida na companhia do senador Renan Calheiros e do empresário Joesley Batista, da JBS, em busca de apoio durante sua campanha por um assento no STF. E a segunda diz respeito ao uso de um jatinho da empresa de Joesley pelo ministro em seus deslocamentos quando pleiteava o lugar no Supremo. São denúncias graves, que ficam ainda mais sérias quando se lembra que Fachin foi o responsável pela homologação do acordo de delação premiada que permitiu a Joesley sair do País e viver confortavelmente em Nova York apesar dos crimes que cometeu no Brasil.

A politização da Justiça entrou na ordem do dia com divisões quase partidárias entre os magistrados

Não se observa ainda qualquer pressão para que o ministro Dias Tóffoli, que ingressou no STF depois de uma jornada como advogado da campanha eleitoral à reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de ter sido Advogado Geral da União do governo do petista, explique-se a respeito do envolvimento de seu nome na delação de Léo Pinheiro, dono da empreiteira OAS. Segundo o empresário, Tóffoli teria usado engenheiros da construtora para consertar uma infiltração na cobertura de sua casa, em Brasília.

Esses estranhos movimentos do STF, que parecem proteger uns em detrimento de outros, colocam questionamentos sobre se as decisões tomadas pelo tribunal são mais políticas, guiadas pelas conveniências de cada magistrado, do que técnicas, como determina o Direito. E isso justamente no momento em que a corte é acusada de demonstrar grande apetite de interferência nos outros poderes. Nesse momento tão delicado do Brasil, o que se espera é equidade no tratamento de todos os cidadãos e sobriedade na tomada das decisões judiciais, sem permitir a politização da Justiça. E não se pode esquecer que um dos princípios básicos de democracias sólidas é o de que os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo atuem de forma harmônica, sem preponderância de um sobre o outro. Essas são condições vitais para o equilíbrio institucional de qualquer nação civilizada do mundo.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Dois pesos, duas medidas

• O ministro Gilmar Mendes teve seu nome citado como um dos alvos em buscas na casa do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG). Diligência nesse sentido teria sido pedida pela Procuradoria-Geral da República, mas nada se comprovou contra ele
• No primeiro momento, a presidente do Supremo Tribunal Federal não saiu em defesa do colega de tribunal. Fez isso somente depois de Mendes reclamar
• Com o ministro Edson Fachin foi diferente. A magistrada correu para defendê-lo depois da suspeita de que ele teria sido alvo de uma investigação da Abin. A denúncia é frágil e sequer foi confirmada até agora
• O ministro Dias Tóffoli também não foi chamado a dar explicações mesmo depois de ter sido citado na delação de Léo Pinheiro, dono da OAS. Ele teria se beneficiado de um trabalho de engenheiros da empreiteira na sua casa em Brasília, que
sofria com uma infiltração na cobertura
• Por outro lado, o STF tem sido acusado de interferir demais em esferas dos outros outros Poderes, o que estaria desequilibrando a harmonia entre Judiciário, Legislativo e Executivo


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias