No dicionário Aurélio Buarque de Holanda, a palavra garotinho, uma derivação masculina singular de garoto, significa gaiato, atrevido, endiabrado, travesso, malcriado. Talvez seja uma inescapável predestinação para quem carrega essa alcunha no nome: Anthony Garotinho (PR), o ex-governador do Rio de Janeiro (1999/2002), batizado como Anthony William Matheus de Oliveira. Algumas gaiatices do passado, como uma greve de fome com contornos teatrais feita há mais de 10 anos, fizeram com que, hoje, seus atos espetaculosos sejam vistos como piada. Foi o caso do “jejum por tempo indeterminado” anunciado nos últimos dias pelo ex-governador, que todos sabem se tratar de mais uma fanfarronice. Menos o ministro do STF, Gilmar Mendes. Na quarta-feira 20, o magistrado concedeu-lhe um habeas corpus.

Garotinho estava preso há um mês em Bangu 8, no Complexo Presidiário de Gericinó, na zona oeste do Rio, acusado de montar um esquema de compra de votos no município de Campos dos Goytacazes (RJ), com a mulher, Rosinha Matheus (PR), prefeita da cidade. As investigações concluem ter havido desvio de R$ 3 milhões no programa de assistência social Cheque Cidadão para campanha dele ao governo, em 2014.

Em 2006, realizou a primeira “greve de fome”, mesclada por contornos de farsa, que agora se repete (Crédito:Ana Carolina )

A primeira lambança

Mas, no grito e no dramalhão mexicano, Garotinho parece conseguir o que quer. Não invalida o fato de que suas principais peraltices ocupem páginas lamentáveis da política nacional. Em junho do ano passado, ele protagonizou um impressionante espetáculo de berros e pernadas quando policiais federais e bombeiros tentavam cumprir a ordem da Justiça Eleitoral, transferindo o ex-governador do Hospital Municipal Souza Aguiar para o Complexo de Bangu. “Vocês estão de sacanagem. Querem me matar, porra!”, gritava, enquanto chutava quem chegasse perto da maca, transformada em palanque no episódio. Com isso, Garotinho conseguiu dois resultados: virou chacota na internet, que ferveu em memes, mas acabou não indo para a cadeia e, sim, para casa com tornozeleira eletrônica.

Quando o ex-governador anunciou no último dia 16 que faria um “jejum”, foi imediata a conexão com a lambança que foi a outra greve de fome feita por ele, em 2006. Então pré-candidato do PMDB à presidência da República, ele diz ter ficado onze dias sem comer na sede do partido, em uma espécie de reality show no qual jornalistas e cinegrafistas acompanhavam o “suplício” 24 horas por dia. Ele protestava contra a perseguição da imprensa, que fazia reportagens vinculando a arrecadação irregular para sua campanha a contratos do governo estadual, comandado por sua mulher, a então governadora Rosinha. Foram muitas as cenas de teatro do absurdo, como a contagem de gramas perdidas através de boletins médicos diários e a imagem de Garotinho deitado em uma cama, cercado pela mulher e seis filhos, que choravam e rezavam. Nessa época, Garotinho dizia que só tomava água mineral, mas correligionários entravam e saíam com sacolas, suspeitando-se que levavam comida para ele. Ao encerrar a “greve de fome”, após ganhar direito de resposta na Justiça contra órgãos de imprensa, o ex-governador disse que tinha perdido mais que sete quilos – perdera, também, peso político.

Há um episódio ocorrido este ano que ainda não teve desfecho: na primeira noite em que passou na cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte, Garotinho gerou uma espetacular denúncia: disse ter sido vítima de agressões físicas praticadas por alguém que teria entrado em sua cela, de madrugada, munido de um porrete. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) comprovou a existência de machucados no joelho e em um dos seus pés causados por um “instrumento contundente”. A Polícia disse, no entanto, que o laudo não afirma que os ferimentos foram provocados por terceiros e, por ter levantado a suspeita, ele foi transferido imediatamente para um presídio de segurança máxima, Bangu 8.

Antes do habeas corpus, a família Garotinho tentava manter a defesa do patriarca na pauta do dia. Um dos filhos, Anthony Matheus, também anunciou uma greve de fome. Ele reforçava o pedido do pai para ser ouvido pelo Conselho Nacional de Justiça. A filha Clarissa, deputada federal pelo PR, gravou vídeos contra a “injustiça” e a “perseguição” sofrida pelo pai. Ela também reverberava a carta dele, onde diz estar “no limite do sofrimento”. “Minha atitude é um grito de desespero”, dizia ele. A mulher, Rosinha, também afirmava, em entrevistas, que o marido corria risco de vida. Como se nota, o show não pode parar.

A farsa em dois atos

Sempre que se vê acuado por denúncias de corrupção, Garotinho recorre a expedientes grotescos. Foi assim em 2006, como se repete agora. Acaba virando comédia

ÚLTIMO ATO

A greve de fome atual do ex-governador Anthony Garotinho é chamada de “jejum por tempo indeterminado”. Começou no sábado 16, no Presídio de Bangu 8, onde está detido preventivamente. Ele reivindica ser ouvido pelo Conselho Nacional de Justiça com o objetivo de pedir que “juízes e promotores de Campos de Goytacazes” sejam investigados. Também quer fazer denúncias contra o ex-governador Sérgio Cabral

PRIMEIRO ATO

Em 2006, seu gesto tinha nome de “greve de fome” mesmo. Durou 11 dias. Garotinho se enfurnou na sede de seu partido, PMDB na época. Foi acompanhada de perto pela mídia, com cenas de teatro farsesco. Protestava contra a imprensa, que publicava denúncias de caixa 2 de sua campanha a governador, em 2004. Disse ter perdido sete quilos. Correligionários entravam e saíam com sacolas. Suspeita-se que nunca tenha deixado de comer. Saiu desmoralizado.