Adiscussão sobre a influência da origem geográfica no estilo de um escritor é tão antiga quanto a própria literatura. Guimarães Rosa costuma ser lembrado por ter tornado mágico o cerrado ao norte de Minas Gerais. As palavras de Victor Hugo remetem imediatamente à sonoridade dos sinos da catedral de Notre Dame, em Paris. O irlandês James Joyce ficou famoso ao traduzir para o mundo os segredos de sua cidade, Dublin. “O autor que deseja ser universal deve falar de sua aldeia”, como ensinou Leon Tolstói. Pois há uma leva de escritores que vem fazendo isso com sucesso: os autores escandinavos conseguiram imprimir seu estilo e sotaque ao gênero do romance policial.

Vindos da Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia, esse grupo é homogêneo em relação à faixa etária (têm entre 40 e 60 anos), aos cenários gélidos do norte da Europa e ao sucesso: caíram no gosto do público em todo o mundo e vendem milhões de exemplares. O estilo visual de suas obras, assim como suas tramas intricadas, lhes rendeu adaptações para o cinema e streaming. Compartilham também o ritmo de diálogos curtos e senso de humor nórdico – uma certa ingenuidade sem malícia, bem diferente dos quase sempre arrogantes protagonistas britânicos e americanos.

Com estilo marcado por diálogos curtos e marcantes, personagens trazem uma certa ingenuidade e um senso de humor bastante peculiar

 

NAS TELAS Jo Nesbo: adaptações de seus livros fazem sucesso nos cinemas da Noruega e em Holywood (Crédito:Divulgação)

O expoente dessa geração que abriu as portas faleceu antes de aproveitar a fama: o sueco Stieg Larrson morreu em 2004, um ano antes do lançamento de “Millenium”. A trilogia virou uma febre, vendeu 80 milhões de exemplares e foi adaptada para o cinema em uma superprodução dirigida por David Fincher e estrelada por Daniel Craig e Rooney Mara. Com a morte de Larrson, os três livros da saga, “Os Homens que não Amavam as Mulheres”, “A Menina que Brincava com Fogo” e “A Rainha do Castelo”, ganharam sequências escritas por outro sueco, David Lagercrantz. Contratado pela editora, ele já lançou “A Garota na Teia de Aranha”, “O Homem que Buscava a sua Sombra” e “A Garota Marcada para Morrer” – os títulos já foram adaptados para uma minissérie.

Harry Hole

Outro autor que virou o queridinho das adaptações para as telas é o noruguês Jo Nesbo, publicado no Brasil pela editora Record. Com 45 milhões de exemplares vendidos, ele é o criador do detetive Harry Hole, interpretado por Michael Fassbender em “Boneco de Neve”, de 2017. Outro livro de Nesbo, “O Filho”, vai virar minissérie da HBO ainda esse ano, com Jake Gyllenhaal no papel principal e direção de Denis Villeneuve. O mercado percebeu o potencial cinematográfico dos seus livros. Em 2011, “Headhunters” foi adaptado por uma produtora norueguesa e tornou-se o maior sucesso de bilheteria na história do país. Hollywood, porém, sabe que os americanos não gostam de ler legendas: o filme será adaptado novamente, mas com elenco americano.

Apesar da predominância de nomes masculinos, a autora que vem sendo chamada de “a nova Agatha Christie” também vem da Suécia: os livros de Camilla Lackberg já venderam quase 30 milhões de exemplares. Isso dá bem mais gente que o número de moradores de sua cidade natal, onde ela costuma ambientar suas tramas: Fjällbacka, na costa ocidental sueca, tem apenas 859 habitantes. Trata-se da compravação da teoria de Tolstói: contar as histórias de sua aldeia é a melhor maneira de se tornar universal.

Mestres do noir nórdico