O diretor britânico Ridley Scott não gosta muito de filmar histórias atuais: seus maiores sucessos são “filmes de época” situados no passado (“Gladiador”, “Cruzada”, “Robin Hood”) ou no futuro (“Blade Runner”, “Alien” e “Perdido em Marte”). Um deles, porém, se passa praticamente hoje em dia: “Thelma e Louise”, de 1991, pioneiro do feminismo em Hollywood, universo dominado pelos homens desde seus primórdios. Trinta anos depois, Ridley Scott nos brinda com outra produção de época, mas que traz consigo uma forte mensagem de empoderamento feminino – tema cada vez mais urgente nos dias de hoje. “O Último Duelo” tem tudo que se espera de um filme de Ridley Scott: muita ação, uma trama bem amarrada e impressionantes cenas de lutas. O título tem sentido literal, uma vez que a disputa foi a última em que o rei da França permitiu que dois nobres se enfrentassem até a morte. O curioso é que Scott já havia abordado o tema em “Os Duelistas”, de 1977.

INIMIGOS De Carrouge (Damon) e Le Gris (Driver): escândalo histórico (Crédito:Divulgação)

Seu novo drama medieval traz os astros Matt Damon, Adam Driver e Ben Affleck. Há uma única atriz no elenco, Jodie Comer, mas é ao redor dela que o enredo gira. É inspirado em “Rashomon”, clássico de 1950 de Akira Kurosawa. No filme do mestre japonês, um caso de estupro é contado do ponto de vista de três homens, cada um deles representando uma versão da história. “Último Duelo” traz a mesma estrutura. A vítima, Marguerite, é esposa do cavaleiro Jean de Carrouges. A primeira versão é contada por ele; a segunda é pelo acusado, Jaques Le Gris (Driver). A terceira é pela própria Marguerite.

Cada um vê o fato da sua maneira. É possível imaginar também que no século 14, período em que se passa o filme, a opinião de uma mulher não valesse nada: elas não eram sequer consideradas pessoas, mas propriedades dos pais e, depois de casadas, de seus maridos. A força e coragem de Marguerite a torna a primeira feminista a brigar por seus direitos na história, mesmo correndo o risco de ser queimada na fogueira. A trama é baseada em uma história verdadeira, retratada no livro “O Último Duelo – Uma História Real de Crime, Escândalo e Julgamento por Combate na França Medieval”, de Eric Jager, publicado no Brasil pela editora Intrínseca.

PIONEIRA Jodie Comer como Marguerite de Carrouges: coragem sob pressão (Crédito:Divulgação)

O roteiro foi escrito a seis mãos por Damon, Affleck e Nicole Holofcener. Damon escreveu o primeiro ato, a visão de seu personagem; Affleck escreveu o segundo, a versão de Le Gris. Coube a Nicole escrever o terceiro e último ato do filme. Isso reflete na tela: os dois primeiros atos têm batalhas sangrentas, enquanto a conclusão é uma ode ao racionalismo. “O filme não traz visões diferentes apenas porque foram escritos por homens ou mulheres. Somos todos seres humanos”, afirma Nicole. Já a atriz Jodie Comer agradece ter conhecido a vida de Marguerite.“Defender o que consideramos verdadeiro tem um valor muito grande”, afirma. “Marguerite é uma personagem extraordinária sobre a qual nós nunca havíamos ouvido falar.” Trinta anos depois de Thelma e Louise, a galeria de feministas de Ridley Scott ganha uma nova estrela.

ENTREVISTA

Matt Damon
“FIQUEI FASCINADO PELA CORAGEM DA PERSONAGEM”

Você e Ben Afleck escreveram “Gênio Indomável”, que ganhou o Oscar em 1997. Como foi a experiência de acrescentar uma roteirista a essa parceria?
Foi divertido. Estruturamos o roteiro juntos, mas escrevemos as três partes separadamente. Quando eu e Ben lemos pela primeira vez o que Nicole escreveu, foi uma boa surpresa.

O filme mostra a primeira mulher que teve a coragem de se rebelar contra o machismo. Como se sente, como pai de quatro garotas?
Se eu tivesse quatro filhos homens, sentiria a mesma coisa sobre o filme. Quando li o livro, fiquei fascinado pela coragem da personagem. Ela colocou em risco a própria vida para lutar pela verdade.

O roteiro mostra três versões da mesma história. Algum paralelo com o mundo de hoje, em que se confundem opiniões com fatos?
Espero que esse Filme levante essa discussão. A ideia de que é possível existir uma “verdade pessoal” tem grande relevância atualmente.

Como era o dia a dia das filmagens?
Há batalhas na lama, na neve… Ridley tem a melhor equipe do mundo, então tudo é bem mais simples do que parece. O mais difícil foi interromper a produção por seis meses, por causa da pandemia.

O excesso de violência e ação pode afastar o público feminino?
Não sei. Queremos agradar o público que gosta das cenas de batalhas, mas desejamos que a mensagem chegue às mulheres. O terceiro ato do filme tem esse objetivo. A história da humanidade sempre foi escrita pelos homens, mas é hora de mudar isso.