A teoria clássica do liberalismo pode ser assim resumida: o mínimo de intervenção do Estado na atividade econômica, conservadorismo na área dos costumes e, ligado a isso feito imã, estão o dever e a obrigação de o governante e sua equipe ministerial resguardarem as garantias fundamentais e o bem-estar dos cidadãos. Essa linha de pensamento é a única que se mostrou historicamente capaz de reerguer nações quebradas, a exemplo do que ocorreu com o renascer da Inglaterra quando governada pela ex-primeira-ministra Margaret Thatcher. No Brasil, tivemos expoentes nesse campo, como o escritor e diplomata José Osvaldo de Meira Penna e o ex-ministro e economista Roberto Campos. Formado intelectualmente pela Escola de Chicago, nos EUA, também o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, é liberal. Em nosso País, é claro que o bem-estar social está longe de existir, e ele próprio admite o fato. O que se deve criticar em Guedes, e nesse ponto seria bom que ele mudasse de estilo já que agora não está ensinando em sala de aula mas, isso sim, administrando um Brasil economicamente deprimido, é o seu método de levar interlocutores e ouvintes à reflexão e ao raciocínio pela trilha da provocação.

CÂMBIO BAIXO Essas pessoas trabalharam, guardaram
o dinheiro que puderam e têm o direito de viajarem para o exterior: meritocracia e liberalismo andam de mãos dadas (Crédito:Divulgação)

É aí que o ministro, ao se valer de fortes figuras de linguagem, vem cometendo um deslize atrás do outro — e alguns se tornam ofensivos. Na semana passada, ao comentar a disparada do dólar diante do real, Guedes se fez o modelo do politicamente incorreto. Se ele queria criticar os tempos de câmbio baixo e o decorrente gasto excessivo de dinheiro no exterior por parte dos brasileiros, poderia ter dito isso. E só isso. Mas, em seu método provocativo, declarou: “não tem negócio de câmbio a R$ 1,80 (…). Turismo era todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada”. Guedes foi extremamente infeliz e se colocou no campo do preconceito, como se essa categoria profissional não tivesse o direito de também mostrar a seus filhos e filhas todo o encanto e magia do mundo criado por Walt Disney. Se ela trabalhar e conseguir guardar o mínimo de dinheiro para viajar, tem todo o direito de ir a Orlando porque possui o mérito de conquistar a realização desse sonho. Liberalismo e meritocracia caminham de mãos dadas, e a meritocracia é democrática em gênero, cor e atividade profissional.

A terra de roberto carlos

Não se está defendeno, aqui, a plutocracia e a epistocracia. Defende-se, isso sim, a democracia social liberal. De volta ao estilo provocador de Guedes, ele piorou ainda mais a sua fala quando acrescentou: “esperá aí, vai passear em Foz do Iguaçu, vai passear no Nordeste, está cheio de praia bonita, vai para Cachoeiro do Itapemirim conhecer onde Roberto Carlos nasceu”. O ministro despreza os pobres ou a classe média menos aquinhoada de poder aquisitivo? Não. O que ele precisa é deixar de deslizar nas palavras, deixar de instigar o raciocínio pela provocação — isso cai melhor em um psicanalista e filósofo do que em um economista.

Exemplifica também o fato de Guedes “morrer” pela boca a crítica que fez ao inchaço da máquina pública e o peso que isso representa em gastos para o Estado. Todo brasileiro já se queixou do excesso de funcionários públicos, e acredito que até alguns funcionários de estatais já tenham reclamado de serviços públicos. Guedes podia ter falado mil coisas, menos o que falou: “o funcionalismo tem estabilidade na carreira e aposentadoria generosa. O hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita”. Não, ministro, funcionário público não é parasita, e suas figuras de linguagem e generalizações travaram no Congresso a reforma administrativa. Por meio de palavras, Guedes dançou igualmente feio ao criticar as violentas manifestações políticas no Chile. Temendo que elas chegassem ao Brasil, declarou que diante de tal situação poder-se-ia ter novamente um AI-5, o instrumento mais repressivo do qual se valeu a ditadura militar.

O sábio, ministro, não diz tudo o que pensa mas pensa em tudo o que diz. Figuras de linguagem, acredite, funcionam mais no futebol do que no discurso liberal.

O sábio, ministro, não diz tudo o que pensa mas pensa em tudo o que diz. Figuras de linguagem, creia, funcionam mais no futebol que no discurso liberal