A narrativa de que não existe corrupção na gestão Bolsonaro caiu por terra. E não é de hoje. Há poucas semanas, porém, as notícias de um esquema de corrupção no MEC com pastores lobistas realçaram a percepção de que os malfeitos cresceram no atual governo. Esta semana, surgiu mais uma denúncia envolvendo o MEC: uma licitação do FNDE, agendada para o último dia 4, previa a compra de ônibus escolares por preços superfaturados. Os veículos estão avaliados em cerca de R$ 270,6 mil no mercado. Na licitação, o acertado era pagar até R$ 480 mil por cada unidade. Ou seja: R$ 232 milhões. Para onde iria todo esse dinheiro?

ORÇAMENTO SECRETO Braga Netto favoreceu senadores amigos com obras em suas bases eleitorais (Crédito:Ueslei Marcelino)

Há poucos dias surgiu a denúncia sobre a existência de um orçamento secreto também dentro do Ministério da Defesa, com quase R$ 600 milhões. A origem são emendas de relator, usadas para o ministro Braga Netto contemplar aliados em troca de apoio no Congresso, e que previam verbas para cidades localizadas dentro do raio de atuação do Programa Calha Norte, idealizado pelos militares na década de 1980. Esse dinheiro foi usado pelos parlamentares em 2021 para fazer obras como cemitérios, praças e passarelas nas cidades dos aliados do governo. Por meio de nota, o Ministério da Defesa informou que o Programa Calha Norte (PCN) não tem competência para definir os valores e nem a destinação de emendas e que cabe aos parlamentares, nos termos da lei, definirem os municípios contemplados. Ou seja, explicou sem explicar.

Toda essa corrupção vem de longe. Em 2019, por exemplo, o ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro foi indiciado num inquérito que investigava um suposto esquema de desvios de recursos por meio de candidaturas femininas nas eleições de 2008, quando ele ainda era presidente do PSL de Minas Gerais. Pouco tempo depois, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi acusado de dificultar a fiscalização ambiental e de integrar organização criminosa chefiada por madeireiros. Em maio do ano passado, foi revelado um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões em emendas, boa parte delas destinada à compra de tratores. O caso ficou conhecido como “tratoraço”.

Como se não bastasse, os malfeitos também ocorreram na pandemia. O governo precisou se explicar a respeito da suspeita de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin, pois o Ministério da Saúde havia empenhado R$ 1,6 bilhão para comprar o imunizante que não havia sido autorizado pela Anvisa. A compra foi posteriormente cancelada. Outro escândalo no Ministério da Saúde foi o contrato sem licitação para obras em imóveis da pasta no Rio de Janeiro no valor de quase R$ 30 milhões. Usando como justificativa a pandemia, os valores foram empenhados em ritmo de urgência e só não foram efetivamente gastos porque a Advocacia Geral da União (AGU) identificou indícios de irregularidades e cancelou os repasses.

Para o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, o Brasil vive uma espécie de pacto da impunidade. “O que temos vivenciado no País significa um retrocesso de décadas no combate à corrupção. Não podemos esquecer o que disse o ex-ministro e senador Romero Jucá, ainda em 2016, de que era preciso estancar a sangria, representada pela Operação Lava-jato, que o investigava. Portanto, não é de hoje que nós estamos vendo tudo retroagir”.

E os escândalos não param por aí. Uma denúncia que acabou de sair do forno envolve um ex-superintendente do Incra, o advogado Marconi Gonçalves, que relatou à PF ter recebido de um lobista uma oferta de propina logo após ter tomado posse, em novembro passado. A proposta teria sido feita na porta da sede do órgão pelo lobista Pablo Said, que ofereceu 10% de todo o esquema que envolvia a construção de casas no Maranhão.

O senador Alesandro Vieira (PSDB) diz que os envolvidos nas denúncias são velhos conhecidos. “Infelizmente, a estrutura da corrupção parece continuar intacta. Isso só reforça a nossa compreensão de que a corrupção não tem ideologia, tem método. E que o Brasil continua esperando uma mudança estrutural verdadeira.” Para a cientista política e professora da UNIRio Marcia Dias, a corrupção é um tema altamente manipulável. “É sempre problemático quando se elege um governo com essa pauta. Se até um governo eleito sob a pauta da anticorrupção é alvo de tantas denúncias é para que todos aprendam que a retórica não pode ser vazia.”