O ministro da Educação, Milton Ribeiro, completou pouco mais de um ano no comando de uma das pastas mais importantes da Esplanada, sem apresentar qualquer projeto para contornar os impactos causados pela pandemia aos estudantes brasileiros. Em vez disso, Ribeiro, que é pastor evangélico, preferiu distribuir cargos do ministério aos amigos da igreja, combater o que chama de doutrinação ideológica do ensino e destilar seu obscurantismo nas raras declarações públicas que fez até aqui. Na maior asneira dita recentemente, ele expôs toda a sua ignorância ao afirmar que as crianças com deficiência atrapalham os demais alunos se colocadas na mesma sala de aula. Uma análise que soou como monstruosidade fascista e que chocou educadores brasileiros. “O que é inclusivismo? A criança com deficiência é colocada dentro de uma sala de alunos sem deficiência. Ela não aprendia, ela ‘atrapalhava’ — entre aspas, essa palavra eu falo com muito cuidado”, disse Ribeiro em entrevista à TV Brasil. “Ela atrapalhava o aprendizado dos outros, porque a professora não tinha equipe, não tinha conhecimento para dar a ela atenção especial”, completou.

Priscila Cruz, da ONG Todos pela Educação: “Não é só ideologia. Ele é soldado da reeleição” (Crédito: SILVIA ZAMBONI / VALOR)

A fala do ministro repercutiu mal não somente entre os educadores, mas caiu como uma bomba entre parlamentares. Pai de uma adolescente de 16 anos com síndrome de Down, o senador Romário classificou a declaração de Ribeiro como “imbecil”. “Somente uma pessoa privada de inteligência, que chamamos de imbecil, pode soltar uma frase como essa. Essas pessoas existem aos montes, mas não esperamos que ocupem o lugar de ministro da Educação”, escreveu o senador em sua conta do Twitter. Na mesma entrevista à TV Brasil, Ribeiro afirmou ainda que o acesso às universidades deveria ser para poucos. Uma semana depois, ele tentou se justificar usando como desculpa o calote no Financiamento Estudantil (Fies). “Nós temos hoje 1 milhão de estudantes inadimplentes no Fies. Isso pode prejudicar no futuro a questão de novos financiamentos. É por isso que falei que universidade não é para todos”, afirmou.

Falta completa de gestão

O despautério de Ribeiro não está representado apenas nas falas insensatas, mas também na forma como ele vem atuando no controle da pasta. Boa parte dos problemas de sua inepta gestão foi apontada em um relatório recente produzido pela Comissão Externa da Câmara para fiscalizar os trabalhos do MEC. No documento, ao qual ISTOÉ teve acesso, a comissão atribui o pior cenário educacional dos últimos 20 anos à omissão da atual direção do ministério. O relatório diz ter resultados que comprovam “falta completa de gestão da pasta” ao longo desse período. O cenário reproduzido pelo estudo da comissão é catastrófico. Um levantamento anexado a esse documento indica que cerca de 5 milhões de crianças e adolescentes não tiveram acesso à educação em 2020, em um quadro que não se repetia há 20 anos.

O relatório mostra também que o Ministério da Educação realizou cortes sistemáticos do orçamento destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). De acordo com a comissão, o bloqueio chegou a quase R$ 2 bilhões. Os integrantes desse colegiado jogam luz em problemas estruturais que não são resolvidos pelo pastor. O texto diz que mais de 4,3 mil escolas públicas brasileiras não tinham sequer banheiro, além de ressaltar que 30% dos colégios não possuem salas de aula do tamanho adequado. “É uma gestão completamente incompetente. Há um desprezo pela educação e pela juventude. Não sei se por maldade, falta de senso ou falta de conhecimento”, afirmou a deputada Tabata Amaral, relatora do documento.

Em sua gestão, Ribeiro fez questão de nomear sua turma da igreja para cargos importantes da pasta. Escolheu Danilo Dupas, com quem trabalhou no Instituto Presbiteriano Mackenzie, para chefiar o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Enem. No conselho da autarquia, também nomeou um pastor e um tenente do Exército. Como assessor especial, elegeu Gustavo Brasileiro, que é filho de um reverendo importante da sua igreja. Durante sua gestão, alguns professores de universidades federais críticos ao governo Bolsonaro foram punidos com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), agora revogada.

Ribeiro tem trabalhado ainda para evitar que questões relacionadas à sexualidade sejam debatidas na rede pública. Ele chegou a afirmar que gostaria de ter acesso antecipado à prova do Enem para impedir que o tema fosse abordado nas questões. “Não é só ideologia pela ideologia. Pelo que Ribeiro faz, dá para ver que ele nada mais é do que um soldado da reeleição de Bolsonaro”, avaliou Priscila Cruz, presidente da ONG Todos Pela Educação, que se afastou das interlocuções com o MEC após a chegada do pastor. “A questão ideológica é importante porque é ela quem movimenta os grupos bolsonaristas. É isso que faz a roda girar lá dentro”.