“Se eu baixar o decreto que já está pronto, todos cumprirão!”, estabeleceu prepotentemente o capitão aposentado Jair Bolsonaro, hoje na passageira condição de mandatário, ao se referir à medida que quebraria com o isolamento. O desejo irrefreável de colocar na marra suas imposições não é de hoje. Mesmo que elas afrontem a Constituição. Tal e qual também o hábito de tripudiar sobre a vida. Especialmente a dos outros. Todos sabem, Messias, ainda tratado por “mito” nas falanges de seguidores fiéis e fanáticos como ele, faz pouco caso de doenças, de execuções sumárias de indivíduos (praticadas por forças policiais), de protocolos de prevenção a enfermidades, do uso de máscaras, de vacinas… a lista é longa, boa parte dela conspirando contra a sobrevivência da população que jurou proteger. Há, de forma intransponível, pelos sinais emitidos, uma psicopatia latente no inquilino do Planalto. Demonstrada quase que diariamente em falas e atos. Uma espécie de desvio de personalidade, alternando o humor em certas ocasiões, com picos de surtos descontrolados, transtornos mentais capazes de gerar nele reações muitas vezes imprevisíveis, descambando quase sempre para a violência — retórica como método. “Minha especialidade é matar”, já disse certa vez, entre sorrisos, olhar vidrado e indisfarçável prazer. Não é normal vangloriar-se da “aptidão”. Da mesma forma, não há nada de razoável em alguém que, no delírio de narrativas sem cabimento, fale recorrentemente de sabotagens mirabolantes de parceiros tradicionais, insinuando a existência de uma guerra química articulada pelos chineses para controlar a humanidade. O presidente brasileiro voltou a dizer isso abertamente, dias atrás, e despertou entre congressistas a avaliação de que poderia estar precisando urgentemente de tratamento médico. O comentário surreal teve contrapartidas imediatas. Com o estouro de piores consequências na banda mais frágil — que ele, aliás, deveria dirigir. O envio de insumos para vacinas do Butantan foi paralisado e, de uma forma ou de outra, por retaliação ou não, tudo se encaixa. O representante da Frente Parlamentar Brasil China, deputado Fausto Pinato, logo após o ocorrido, chegou a soltar uma nota oficial contra Bolsonaro falando em “grave doença mental que o faz confundir realidade com ficção”. Defendeu a rápida intervenção do chefe de governo por “evidente incapacidade”. A ideia não é de toda descabida. Na resposta, Pinato se disse ainda “preocupado” sobre um possível transtorno de personalidade dessa que é a maior autoridade do Brasil. “Penso que estamos diante de um caso em que recomenda-se a interdição civil para tratamento médico”. Com ele concordam muitos. O “mito” vem passando dos limites. Desde que assumiu.

Com uma frequência assustadora. Reações destrambelhadas, gritos, ofensas e ameaças fazem parte de seu cotidiano no poder. Outro dia, engajou-se novamente em uma violenta defesa de medicamentos sabidamente inúteis, bravateando mentiras capazes de colocar em risco fatal muitas das vítimas da Covid. Há registros já comprovados de mortes por tratamento a base da nebulização por cloroquina, prática ardorosamente recomendada pelo presidente, que nem médico é. Apenas por esse crime de responsabilidade — e eles se amontoam às dezenas — já seria possível em qualquer país sério abrir um processo de impeachment. Da mesma safra dos movimentos delinquentes, nada soa mais patético — é possível dizer — que o pendor presidencial para realizar um autogolpe. Ele tentou algumas vezes. Da última, diga-se de passagem, convocando inclusive o que chamou de “meu exército”. Militares da caserna, a reiterar o comportamento sensato das Forças Armadas, não caíram na conversa. Em uma comparação não muito distante da realidade, Bolsonaro tem sido comparado a uma espécie de Napoleão Bonaparte, o imperador francês que em sua eterna fama de louco chegou a coroar a si próprio. O mandatário nativo bem que gostaria de fazer o mesmo. Mas os poderes constitucionais o impedem. Para desalento e indisfarçável frustração. Quando acuado, Bolsonaro vira bicho e reage com uma virulência desproporcional. Chamado por muitos de genocida, fez jus ao epíteto graças ao plantel de óbitos recorde no País — para o qual contribuiu com fervor. Não dá para não responsabilizá-lo, em diversas dimensões. É alguém que não desiste de “armar todo mundo”; que prega, como disse com todas as letras, a impossibilidade da eleição sem o voto impresso; que chama de “marica” e “trouxa” qualquer brasileiro minimamente preocupado com a sua existência. Por essas e outras, vai vivendo numa realidade paralela, talvez convencido de que todos na “republiqueta”, como ele chama o País que lhe elegeu, estão a compartilhar de suas visões oblíquas de mundo. É, decerto, da cabeça de uma pessoa sem o menor senso de equilíbrio a ideia de tratar como “esquerdopatas” aqueles que condenaram as execuções sumárias da favela do Jacarezinho, enquanto ele próprio aplaudia a operação. Na dimensão desconexa em que vive, fez escola, é verdade. Veneradores o acompanham no sentimento de perversão como se abraçassem uma seita do mal. Brasileiros normais que, do dia para a noite, despejam para fora um ódio irascível, deplorável. A face mais visível do bolsonarismo é a da crueldade sem piedade ou remorso. Não há compaixão, solidariedade, qualquer impulso minimamente humanitário. Sobretudo por parte do mandatário que carrega o rebanho. No limite da insânia, querendo, mais uma vez, fazer valer o seu evangelho, exigiu que os próprios ministros gravassem um vídeo de apoio à cloroquina, a maldita droga do faz de conta. Em caso de recusa, seriam passíveis de degola. E assim caminha a gestão mais desoladora das últimas décadas. Ficará sempre no ar, enquanto nada for feito, a deprimente questão: qual custo restará ao fim e ao cabo de tantos delírios? Ainda não se sabe ao certo. Mas, provavelmente, será alto.