Está cada mais difícil saber quanto do comportamento do presidente americano Donald Trump é calculado e quanto é puro delírio. O que fica evidente é que Trump parece não estar preocupado em cultivar boas relações em sua estadia na Casa Branca. As brigas, rompimentos e polêmicas em que o presidente se envolve já fazem parte de sua agenda — se o relacionamento com sua equipe tem sido tortuoso, com os rivais Trump dispara petardos que beiram as raias da loucura. Na semana passada, ele se envolveu em dois grandes conflitos: o primeiro com atletas americanos das ligas de futebol e basquete. O segundo, com seu principal inimigo, Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte. Em um único comentário, Trump conseguiu despertar a ira dos americanos: “Vocês não adorariam ver um desses donos da NFL demitirem os filhos da puta desses jogadores que desrespeitam o país?” O desrespeito a que Trump se referia é o ato de atletas negros que, à execução do hino nacional americano antes das partidas oficiais, colocam um joelho no chão para protestar contra a violência policial no país. Em seu Twitter, Trump foi além: sugeriu que a NFL criasse uma regra que os impedisse de ajoelharem-se. “Essa é uma tentativa de criar uma divisão social na América e colocar americanos contra americanos”, afirmou à ISTOÉ Tom Gordon Palmer, Ph.D. em Ciência Política pela Universidade de Oxford e dirigente da Atlas Network. “É por isso que ele é o presidente americano favorito de Vladimir Putin: está minando o governo democrático e criando uma sociedade em guerra consigo mesma.”

KCNA

Os atletas americanos não tardaram em responder a Trump. Stephen Curry, maior estrela do atual campeão na NBA, Golden State Warriors, disse que votaria para seu time não ir à visita na sede do governo em Washington DC — o encontro entre a equipe e o presidente estava marcado para fevereiro de 2018. “Nós não defendemos, basicamente, o que o nosso presidente defende, as coisas que ele disse e as coisas que ele não disse nos momentos certos”, afirmou o jogador. Trump resolveu então “desconvidar” o atleta e toda a equipe dos Warriors. Para o presidente, a visita à Casa Branca é uma grande honra. Outro astro do basquete, o vice campeão LeBron James, craque do Cleveland Cavaliers e ícone do esporte americano, compartilha a opinião de Curry. “Ir à Casa Branca era uma grande honra até você aparecer”, disse James a Trump em seu Twitter.

COREIA DO NORTE

O Twitter parece ser o campo de guerra favorito do presidente americano. “Trump anuncia mudanças radicais na política por tweet, sem qualquer consulta a outras pessoas e, evidentemente, às vezes sem conhecimento da questão”, diz Palmer. O presidente americano, porém, quase ultrapassou um limite irreversível quando, no domingo 24, afirmou em seu rede social que Kim Jong-un e seu chanceler “não estariam aí por muito tempo” — na Assembleia Geral da ONU Trump já tinha ameaçado “destruir completamente a Coreia do Norte”. Depois do tweet exaltado, o governo da Coreia do Norte acusou os Estados Unidos de declararem guerra ao país. O ministro das Relações Exteriores coreano chegou a afirmar que a Coreia teria direito de bombardear aviões americanos. A Casa Branca logo tratou de afirmar que a sugestão de declarar guerra seria absurda. “A capacidade de retaliação da Coreia do Norte é muito grande, é evidente que seu potencial militar tem evoluído consideravelmente”, afirma Wilson Mendonça, professor de relações internacionais do Ibmec. “Uma coisa é um empresário falar o que pensa em um país em que a liberdade de expressão é o carro-chefe. Outra é o chefe de Estado, subordinado aos três poderes e à opinião pública, falar o que pensa, principalmente em um assunto de âmbito militar.”

MANIFESTAÇÃO Para protestar contra violência policial, jogadores da NFL se ajoelham em campo (Crédito:Jim Rogash)

De fato, Trump parece às vezes não ter se afastado da imagem de executivo e astro do programa “O Aprendiz”, onde era conhecido por demitir participantes. Em seu primeiro ano de governo, vários de seus assessores, entre eles o estrategista-chefe da Casa Branca e seu diretor de comunicação, foram desligados da equipe. “Os Estados Unidos enfrentam um ‘governo mutável’ em 2017, sob a liderança de uma estrela de TV impulsiva, autoritária e imprevisível”, diz Palmer. “Trump é, sem dúvida, uma ameaça para o governo constitucional, para a liberdade e para o estado de direito.”