AZIZ E RENAN Após desavenças sobre as acusações de genocídio e homicídio qualificado, presidente e relator da CPI se entenderam: comissão deve votar relatório na terça-feira (Crédito:Edilson Rodrigues)

O relatório final da CPI da Covid, elaborado por Renan Calheiros (MDB-AL) após entendimento com os outros membros da comissão, traz uma acusação contundente contra o presidente Jair Bolsonaro: ele é apontado como “principal responsável” pela desastrosa condução do governo federal no combate à pandemia. Entre os nove crimes imputados ao mandatário, um se destaca pela inevitável repercussão internacional: o de crime contra a humanidade, menção que abre caminho para uma denúncia formal no Tribunal Penal Internacional (TPI). O texto, que deve ser votado na terça-feira (26), recomenda o indiciamento do ex-capitão e pede punições que podem resultar em 78 anos de cadeia, segundo estimativas dos parlamentares.

A CPI acusa Bolsonaro de crime de epidemia com resultado em morte, por se recusar e adiar a compra de vacinas; por incitação ao crime, por estimular a população a não respeitar os protocolos de segurança; infração de medida sanitária preventiva, por contrariar os protocolos da saúde e não usar máscara; falsificação de documento particular, por alterar dados sobre o número de óbitos; charlatanismo, por defender o tratamento precoce com medicamentos sem comprovação científica; emprego irregular de verbas públicas, por investir na compra e produção de cloroquina; prevaricação, por não mandar investigar suspeitas de corrupção na compra de vacinas; violação de direito social e de incompatibilidade com a dignidade, honra e decoro, por declarações vulgares e agressões aos outros Poderes: e, finalmente, crime contra a humanidade, por submeter a população à “imunidade de rebanho” e agir com negligência em relação aos povos indígenas. O relatório recomenda ainda o indiciamento de mais 65 pessoas, entre eles os três filhos do presidente, Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro. Eles são acusados de incitação ao crime pela disseminação de notícias falsas. “A falsa sensação de segurança desencadeada por informações inverídicas contribiu decisivamente para o aumento do número de infectados e mortes”, informa o relatório, que também pede mudanças na legislação para que a difusão de “fake news” seja tipificada como crime.

Relatório da CPI pede o indiciamento dos ministros Queiroga, Onyx, Braga Netto e Pazuello

Outros pedidos de indiciamento incluem os ministros Marcelo Queiroga (Saúde), Braga Netto (Defesa), Onyx Lorenzoni (Trabalho) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), além do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. A lista traz ainda deputados, empresários e integrantes do chamado “Gabinete Paralelo”, consultores informais do presidente supostamente responsáveis por defender a “teoria de imunidade de rebanho” em contraponto à vacinação.

Após a aprovação do parecer, integrantes da CPI vão pedir uma audiência para entregá-lo ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras. O objetivo é pressionar o chefe do MPF a não arquivar a investigação, uma vez que ele tem agido de forma favorável a Bolsonaro em casos sensíveis — o presidente apoiou sua recondução ao cargo de PGR esse ano. O texto também será enviado ao presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), responsável por pautar um eventual pedido de impeachment do presidente. Se Aras e Lira engavetarem o documento, os senadores podem levá-lo diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma ação popular promovida por associações de parentes das vítimas.

“Bolsonaro é criminoso e genocida, mas não tínhamos condições técnicas de fazer esse enquadramento. Colocamos que ele cometeu crimes contra a humanidade, que são de extrema gravidade” Humberto Costa, senador (PT-PE) (Crédito:Leopoldo Silva)

Parlamentares da base aliada do governo tentam desqualificar o relatório. Os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Marcos Rogério (DEM-RO) afirmaram que vão apresentar relatórios paralelos. Em sua versão, Girão defende que a CPI “criminalizou” o tratamento precoce. Já o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ), preferiu reagir com ironia. Disse que o documento era “inconstitucional” e que o pai receberia a notícia “com uma gargalhada”. Em seguida, imitou a risada do pai.

O presidente Bolsonaro, porém, não parece ter achado tanta graça assim. Diante das câmeras, ele sequer sorriu quando mencionou o assunto na quarta-feira (20), em um evento no Ceará. “Como seria bom se aquela CPI estivese fazendo algo produtivo para o nosso Brasil. Nada produziram a não ser o ódio e o rancor entre alguns de nós”, afirmou. “Mas nós sabemos que não temos culpa de absolutamente nada.” Na última quarta-feira (20), o País ultrapassou o número de 604 mil mortos por Covid-19.

OS RELATÓRIOS PARALELOS

>> Marcos Rogério
Isenta o governo federal e pede que MPF e PF apurem estados e municípios sobre suspeitas de desvios

>> Eduardo Girão
Poupa Bolsonaro e sugere um único indiciamento: o petista Carlos Gabas, secretário do Consórcio Nordeste e suspeito de irregularidades em compras de respiradores

>> Alessandro Vieira
Militares executaram política genocida, aponta o texto de Vieira: “A farda não pode ser utilizada como escudo de proteção para os erros”