A música brasileira mudou muito na última década e se tornou uma verdadeira indústria. Com artistas conhecidos mundialmente graças ao poder das redes sociais, é praticamente impossível ignorar a presença “brazuka” no mainstream.

De acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), mesmo com os impactos da pandemia, a indústria fonográfica brasileira movimentou mais de R$ 2,3 bilhões em 2020. Além do montante bilionário, algo que chama atenção é a forma como os “hits” foram feitos. É possível saber se uma música vai fazer sucesso antes que seja realmente gravada? Existe fórmula secreta? Um badalado time de compositores e produtores conversou com a ISTOÉ para nos ajudar a solucionar esse mistério.

– Os nomes da revolução no funk

Fotos Reprodução/Instagram
Da esquerda para a direita (Pedro Breder, André Vieira, Wallace Vianna)

Se você já ouviu o slogan “Isso é Hitmaker” ou “H-I-T-M-A-K-E-R” na boca de artistas como Kevinho ou Pocah, saiba que a música foi feita por um dos times de compositores mais famosos do mercado brasileiro. Responsáveis por “hinos” como “Combatchy”, de Anitta, Lexa, Mc Rebecca e Luisa Sonza, “Cheguei”, de Ludmilla, “Rabiola”, do Kevinho, entre outras, o trio formado por Wallace Vianna, André Vieira e Pedro Breder revolucionou o funk brazuka em poucos mais de cinco anos na cena.

Em meados de 2014, percebendo o crescimento das plataformas de streaming como Youtube e Spotify, os amigos Wallace Vianna e André Vieira resolveram se jogar no mercado. Wallace era fã de funk, enquanto André curtia muita MPB. A ideia dos dois era simples: compor músicas para o mercado do funk e do pop, gêneros que tocavam muito nas rádios e eram consumidos em festas.

Como já tinham alguns contatos no meio, a dupla descobriu que a funkeira Valesca Popozuda estava trabalhando em seu álbum e tinham acabado de fazer uma música com a cara dela. Era nada mais nada menos que “Beijinho no Ombro”, sucesso no Brasil inteiro em 2014. “Foi um divisor de águas pra nós, abriu muitas portas”, relembra André Vieira. “Foi a música certa pro artista que estava precisando naquele momento”, conta.

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Depois do primeiro sucesso a dupla começou a receber vários pedidos, inclusive, com um comentário que mudaria tudo. “Assim que artistas ou amigos ouviam as músicas, logo falavam ‘essa tem cara de hit, hein’, por isso acabamos escolhendo o nome HITMAKER para a produtora”, explica Vieira. Mesmo em crescimento depois do primeiro hit, a caminhada deles não foi fácil. “Nós começamos gravando as guias no celular, saia até os latidos do cachorro do vizinho, mas graças a Deus deu tudo certo”, comemora Wallace Vianna.

No começo, Pedro Breder não fazia parte do grupo, mas curiosamente estava em contato com a dupla porque produzia as músicas que eles escreviam para outros artistas – pouco tempo depois foi convidado pra entrar no time. Ele destaca que “estudar o mercado, os artistas e se aprimorar” fez total diferença para o grupo. “Hoje todo mundo faz tudo, escreve e produz. Temos muita versatilidade”, conta Breder.

Embora o glamour das redes sociais e os bilhões de views criem uma ilusão de que “tudo sempre dá certo de primeira”, o trio acredita que, se existe uma “fórmula mágica para o sucesso”, é o trabalho. “Quase todo dia a gente faz música. A inspiração não vem do nada, a gente corre atrás dela todo dia”, ressalta Wallace Viana.

– Estrela do pop

Assim como as mentes pensantes da HITMAKER, o compositor carioca Pablo Bispo soube aproveitar as oportunidades que teve na música. Pablo foi bancário durante muitos anos e entre 2014 e 2015, quando a mãe ficou doente, resolveu mudar sua vida. Ele pediu demissão do banco e foi trabalhar como palhaço em hospitais do Rio de Janeiro, e nessa época, escreveu uma canção chamada “Cravo e canela” para homenagear a mãe.

Fã do músico carioca Jhama, Bispo mandou a letra e uma guia pro cantor via instagram. Ele disse que na época não tinha nada a perder. “O Jhama curtiu a música e perguntou se poderia fazer algumas alterações, eu falei que sim. Depois ele mostrou pra Anitta, que tava fazendo um álbum e acabou gravando. Eu nem acreditei”, conta. “O Jhama me disse que raramente conseguia ler todas as mensagens no instagram, mas por acaso clicou na minha”, relembra. “Depois que a primeira entrou no repertório da Anitta, ele ficou animado e me convidou pra compor outra música. Nós fizemos ‘Essa mina é louca’, que foi hit e depois disso eu entrei de vez no jogo”, celebra Bispo.

Com o gás de iniciante, Pablo não perdeu tempo e se encantou com o trabalho de uma artista que também estava surgindo na cena ao mesmo tempo que ele: Pabllo Vittar. “Cara, eu me apaixonei pela Pabllo Vittar. Mandei uma mensagem no facebook falando que queria trabalhar com ela. Eu tinha escrito um som chamado ‘K.O’, então mandei como um teste, sabe? Felizmente ela gostou e o resto é história”, disse.

Bispo ficou conhecido e logo resolveu se juntar com outros talentos. Versátil, faz parte de dois supertimes: DOGS, com o produtor Ruxell e o engenheiro de som Sergio Santos, e a BRABO MUSIC, ao lado dos compositores Arthur Gomes (Maffalda), Rodrigo Gorky, Zebu e Arthur Marques. Junto com seus parceiros, é responsável pelos maiores hits da cena pop nos últimos cinco anos: Amor de Que, K.O, Sua Cara, Problema Seu, entre outras da Pabllo Vittar, Apaga a luz, Bumbum de Ouro e Coisa Boa, da Gloria Groove, Pesadão, da IZA, Desce Pro Play, de Anitta, Tyga e Mc Zaac e por aí vai.

Ele ressalta que seus times recebem diversos pedidos diários: “Eu quero um hit, hein”. Porém, reforça que não existe fórmula secreta. “Tanto eu como meus parceiros fazemos tudo com amor, se vai ser hit ou não, aí é consequência”, explica. Perguntado sobre suas maiores conquistas na carreira, Bispo aponta o sucesso de Pabllo Vittar como uma “revolução” no mercado musical brasileiro e também seu maior orgulho. “Antes a música com temática LGBT era apenas música LGBT, mas hoje é só música e ponto final. Não tem separação, não tem distinção”, finaliza.

– O rei dos ritmos


Carioca de nascença, mas radicado na Bahia, Rafinha RSQ é considerado um dos produtores mais versáteis do País. Ele une tudo, de sertanejo, pop, pagode e axé até reggaeton e funk. É um explorador de fronteiras com composições que somam bilhões de views em plataformas de streaming.

Entre os trabalhos de sucesso estão músicas como “Loka”, da dupla Simone e Simaria com Anitta, “Apaixonadinha”, de Marília Mendonça, “Século 21”, do Léo Santana e Luisa Sonsa, “O Bebê”, parceria de Kevinho com Mc Kekel, Só Tem Eu, do cantor Zé Felipe, Modo Turbo, com Luisa Sonza, Pabllo Vittar e Anitta, entre outras. O segredo dele? Ousadia e determinação.

“Eu não trabalho pra gênero específico, trabalho pra música, seja o que for. Minha preocupação é tocar o coração do povo”, conta. Rafinha RSQ tocou oito anos na banda do Parangolé antes de se lançar como produtor. Ele aponta o estudo como diferencial para qualquer um que queira se destacar na música. “Quando me lancei de verdade eu pensei, ‘preciso ser diferente de todo mundo no mercado brasileiro’ se quiser fazer sucesso”, relata.

Ele não deixa de ensinar o que sabe, e compartilha uma dica valiosa com os novos compositores: é preciso determinação. “Minha história com ‘Loka’, por exemplo, foi pura determinação. Antes de apresentar ela eu tinha mostrado outra música que não agradou, aí bateu um receio. Mesmo assim não desisti e fiquei o dia todo esperando minha deixa. Depois de umas 12 horas no estúdio esperando eu consegui mostrar e deu certo”, lembra. “Hoje em dia tem gente que manda música por direct e se o artista não responde, eles desistem. É preciso ter fé e perseverar. Não é fácil”, alerta.

Pensando além de seu tempo, há anos Rafinha está se preparando para expandir seu trabalho pelo mundo. “Eu viajei pra 14 países com intenção de absorver a cultura estrangeira e aprender com outros produtores. Depois disso, consegui fazer mais coisas fora da caixinha”, celebra. Atualmente ele está trabalhando com a colombiana Karol G, cantora latina mais ouvida do planeta nas plataformas de música.

– Brasil feat Mundo

Fã de hip hop desde pequeno, o produtor carioca Papatinho é sinônimo de qualidade e visão de mercado. Ele despontou na cena brasileira com o grupo de rap Cone Crew Diretoria, em 2006, e seguiu os passos de seus ídolos, como o produtor norte-americano Dr Dre. Hoje, além de ter seu próprio selo, a Papatunes Records, também dá oportunidade para jovens talentos dos mais variados estilos.

“Lá fora, os produtores de rap não trabalham só com rap, eles fazem tudo. Aqui no Brasil demorou pra acontecer isso”, conta. Ele produziu o mega hit “Onda Diferente”, da cantora Ludmilla com participação de Anitta e Snoop Dogg, música que foi um divisor de águas para sua carreira de produtor.

“Tudo mudou depois disso. Hoje também faço música pro pessoal do pop, do funk. Recebo vários pedidos todo dia. É muito legal ser reconhecido após anos de dedicação”, comemora. O sucesso da música chamou atenção de estrelas mundiais como a rapper norte-americana Cardi B, que já manifestou o desejo de trabalhar com as funkeiras brazukas –  se rolar, certamente ele estará envolvido nesse feat.

Entre os pontos positivos que nota na música nacional nos últimos anos, Papatinho aponta a valorização dos produtores e compositores como fundamental. Nos EUA, a indústria depende dos produtores, portanto, os valoriza há décadas, algo que, depois de muita luta, também começa a ser feito no Brasil. “Eles são estrelas. Sem eles nada anda. Foi lá fora que aprendi a mentalidade de trabalho que uso hoje. Eu me tornei tipo uma fábrica, to sempre me renovando”, diz. “Espero que nossa música valorize mais e mais os produtores, isso vai mudar tudo”, finaliza.


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