Cientistas já conseguiram desvendar diversas regiões da mais complexa e maravilhosa máquina da natureza: o cérebro, a derradeira fronteira do corpo humano. Nele, muito foi explorado e pesquisado pela Medicina e Neurologia, mas ainda há inúmeras áreas a serem conhecidas — e o maior desafio é decifrar as partes em que ocorrem interações químicas relacionadas a doenças, sobretudo as conexões que podem estar ligadas ao mal de Alzheimer. É nesse sentido que um revolucionário estudo acaba de ser publicado pela conceituada revista norte-americana “Science”. Trata-se do primeiro trabalho, em décadas, a jogar novas e alvissareiras luzes sobre essa que é uma das mais misteriosas enfermidades cerebrais, a ponto de ser a única a receber a denominação de “estado demencial”.

O mal de Alzheimer é irreversível, neurodegenerativo, progressivo e responsável por alterações comportamentais porque apaga a memória recente de quem é por ele acometido. Na pesquisa recém-publicada, revela-se que alterações nas proteínas do cérebro, tornando-as tóxicas e potencialmente causadoras do Alzheimer, ocorrem na região denominada hipocampo, justamente a que responde pelo gerenciamento das lembranças. É nesse ponto que tais proteínas vão se acumulando ao longo dos anos, o que confirma a hipótese de que o mal de Alzheimer pode silenciosamente se desenvolver desde a juventude e apenas manifestar-se de forma sintomática após os sessenta ou setenta anos de idade. “A pesquisa traz um alerta e aponta que o paciente tem risco de evolução da patologia antes de ela dar sinais clínicos”, diz Fábio Scaramboni Cantinelli, chefe de Psiquiatria do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo.

O estudo baseou-se em um método tradicional, mas até então jamais colocado em prática na exaustiva pesquisa das causas do Alzheimer. Assim, pela primeira vez os cientistas analisaram imagens de necropsias de cérebros de quatrocentas pessoas e as cotejaram com outras cem imagens de cérebros de indivíduos vivos. Na comparação, observou-se que o volume, a cor e a densidade das conexões neurais, na área do hipocampo, eram menores nos mortos porque havia a presença de uma grande saturação de proteínas tóxicas. Como as necropsias avaliadas são de pessoas que faleceram sofrendo de Alzheimer, ficou clara a relação entre a doença e a quantidade de proteínas danificadas, uma vez que os indivíduos vivos que cederam suas imagens não portam Alzheimer. Se em relação a tumores, o quanto antes houver um diagnóstico ele torna maior a possibilidade de sucesso no tratamento, a descoberta que um índice excessivo de proteínas tóxicas leva à demência abrirá caminho, certamente, para que também se consiga diagnósticos precoces.

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Em um primeiro momento, pode parecer chocante que alguém, ainda jovem, ouça de seu médico que proteínas não saudáveis estão se juntando em seu cérebro. Na realidade, porém, sempre que a ciência descobre as causas de males, a indústria farmacêutica desenvolve medicações profiláticas. Não será diferente com o Alzheimer. Essa forma de doença devastadora acomete aproximadamente quarenta milhões de pessoas em todo o mundo — e, aqui, pelo menos um milhão de brasileiros vive no vácuo mental por ela engendrado. Lembrar, por exemplo, de um banco de jardim de uma longínqua cidadezinha do interior visitada na infância, e, ao mesmo, não reconhecer o rosto do próprio filho com que conviveu durante toda a vida, é uma situação desesperadora. “Agora sabemos mais sobre a área do cérebro evolvida no Alzheimer”, diz Leonel Takada, neurologista da Universidade de São Paulo. “O caminho a ser seguido é o de encontrarmos um modo de interromper a transformação da proteína em uma molécula tóxica”.