Ao longo dos vinte e um anos da ditadura militar instaurada em 1964 no País por meio de um golpe de Estado, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi uma das mais atuantes entidades a exigir o retorno à democracia e a denunciar tortura e assassinato de presos políticos praticados por agentes do governo. Em 1972, quando o regime tornou-se uma usina de mortes, comemoravam-se os cento e cinquenta anos da Independência do Brasil e os militares instrumentalizaram politicamente a data, chegando ao ponto de pedir aos bispos que se unissem a eles. A CNBB, é claro, rechaçou-os, manteve-os a distância e prestou a sua homenagem com uma missa celebrada cinco dias antes do Sete de Setembro. Após o regime de exceção, embora sempre criticando aspectos negativos da política nacional, como a corrupção, a entidade voltou-se mais aos fundamentos humanitários que em 1952 a estruturaram. No início da semana passada, no entanto, com o Bicentenário da Independência acontecendo e Jair Bolsonaro conspirando, a CNBB viu-se com a missão de novamente ser essencialmente política em sua 59ª Assembléia Geral.

“A CNBB volta a atuar agora como atuou contra a ditadura militar, denunciando explicitamente atos antidemocráticos”, diz o professor e doutor em filosofia política, o carioca Paulo Roberto Monteiro de Araujo. No documento conclusivo, intitulado Mensagem ao Povo Brasileiro sobre o Momento Atual, o órgão enviou claramente um aviso contra os desmandos do atual mandatário, nostálgico que ele é da ditadura. Pode-se dividir o documento, chancelado pelo presidente e secretário-geral da entidade, respectivamente dom Walmor Oliveira de Azevedo e dom Joel Portella Amado, em quatro eixos: tentativas de ruptura com a democracia; eleições; manipulação religiosa; e o risco da política bolsonarista idólatra de armas. “A nossa jovem democracia precisa ser protegida por meio de amplo pacto nacional”, diz trecho do manifesto, referindo-se, já na sequência, à importância das eleições do próximo mês: “tentativas de ruptura da ordem institucional, veladas ou claras, buscam colocar em xeque a lisura de todo o processo eleitoral”.

Com a mesma objetividade, os duzentos e noventa e dois bispos que compuseram a Assembleia Geral, realizada no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo, firmaram o “apoio incondicional às instituições da República, responsáveis pela legitimação do processo e dos resultados das eleições”. Finalmente, diante da acirrada disputa a que se assiste pelo voto dos evangélicos e da proliferação de armamentos promovida por Bolsonaro, a mensagem episcopal explica: “a manipulação religiosa, protagonizada por políticos e também por religiosos, desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil (…), entre eles a violência latente, explícita e crescente, potencializada pela flexibilização da posse e porte de armas”. Para Monteiro de Araujo, “a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil viu-se forçada a retomar a sua agenda essencialmente política”. Por que? Ele responde: “deve-se isso aos retrocessos do governo de Jair Bolsonaro visando a atingir as instituições democráticas”.