NO PALCO AMBIÇÃO William Shakespeare: nascido na pequena cidade de Stratford-upon-Avon, mudou-se para Londres — assim como os Beatles, que saíram de Liverpool

Há mais semelhanças entre William Shakespeare e os Beatles do que pode imaginar a nossa vã filosofia. Pelo menos é isso o que diz “Shakespeare e os Beatles – O Caminho do Gênio”, de José Roberto de Castro Neves. Apesar das áreas distintas e dos quatro séculos que os separam, a comparação se baseia em elementos comuns a praticamente todas as trajetórias artísticas: a ingenuidade dos primeiros passos, a confiança da maturidade, a melancolia da despedida. Castro Neves, no entanto, vai além ao descobrir relações que, ao final da leitura, nos obrigam a concordar: e não é que ele tem razão? O autor se justifica: “não é uma tese, mas uma declaração de amor”. Seu amor por Shakespeare é racional; pelos Beatles, é pura emoção.

A teoria do livro usa como base uma linha do tempo que reflete a “liberdade criativa” exercida pelo autor. Afinal, na fase “Aprendizado”, oito peças de Shakespeare correspondem a apenas um álbum dos Beatles, o de estreia, “Please Please Me”. Já a “Construção da Identidade” identifica três obras do bardo, “Muito Barulho por Nada”, “Henrique V” e “Júlio Cesar”, e, novamente, apenas um trabalho da banda, “Help”, de 1965. A “despedida” traz cinco peças do poeta e dois álbuns da banda, “Abbey Road” e “Let it Be”.

LANÇAMENTO “Shakespeare e os Beatles – O Caminho do Gênio”
José Roberto de Castro Neves
Nova Fronteira
Preço: R$ 49 (Crédito:Divulgação)

O livro fica mais interessante quando aborda contextos históricos. A origem em que Shakespeare e os Beatles surgiram, por exemplo, é algo que indiscutivelmente os une. Eram todos de origem popular, sem formação acadêmica, e viviam fora do centro cultural de suas épocas, Londres. O dramaturgo era da cidade de Stratford-upon-Avon; a banda era de Liverpool. Para ganhar notoriedade, seguiram a ambição: abriram mão da convivência com suas famílias e se mudaram ainda jovens para a capital britânica. A efervescência dos ambientes também era semelhante: o teatro feito na Inglaterra no final do século 16 ecoava os tempos da Renascença, quando autores redescobriam os cânones da literatura grega e romana. O dramaturgo, acostumado a uma linguagem menos formal, se valeu da popularização do “verso branco”, construções que permitiam frases sem rimas. O mesmo aconteceu com os Beatles: a sociedade inglesa vivia um período de êxtase semelhante inspirado pela vitória contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial. Também foram beneficiados pelo advento do rock and roll, que nascera pouco antes nos EUA e havia recém-chegado aos palcos londrinos. Assim como na era de Shakespeare, a eletricidade no ar estava à espera de artistas que captassem o zeitgeist e o transformassem em obras de arte.

Despedidas

Além da genialidade compartilhada, o livro de Castro Neves também ressalta uma característica triste: a brevidade de suas carreiras. Shakespeare morreu aos 52 anos, enquanto outros nomes contemporâneos viveram bem mais — o poeta Ben Johnson morreu aos 65, por exemplo. A vida criativa dos Beatles foi ainda mais curta: durou apenas oito anos. A cortinas metafóricas de Shakespeare e Beatles também se fecharam de forma melancólica: o bardo, com a peça “A Tempestade”. A banda, com a canção “The End”. Além de geniais, grandes artistas têm outra coisa em comum: o talento para prever o futuro.