Poucos filósofos oferecem leitura mais penosa que os da Escola de Frankfurt e seus libelos contra o consumismo. Mas as histórias de seus protagonistas são tão recreativas que poderiam inspirar um livro de curiosidades. Ou melhor, inspiraram. Ele acaba de ser lançado no Brasil e se intitula “Grande Hotel Abismo” (Companhia das Letras), do jornalista inglês Stuart Jeffries. A obra tenta ressuscitar uma teoria que brotou no início século 20, atingiu o auge nos anos 1960 e saiu de moda. Além disso,
o livro desfia fatos pitorescos e percorre vidas e obras de um grupo de pensadores que enfrentou a guerra, o exílio
e a incompreensão.

“A dominação da cultura e do consumismo denunciada pela Escola de Frankfurt é hoje mais intensa do que nunca” Stuart Jeffries, jornalista

Segundo Jeffries, os sábios de Frankfurt nunca falaram tanto ao presente como hoje. Esta foi a motivação para escrever o livro. “Eles formularam um tipo de pensamento que ajuda a entender não o que ocorria na Alemanha em 1918, mas o que está acontecendo no mundo em 2018”, diz Jeffries à ISTOÉ. “A dominação da cultura e do consumismo denunciada pela Escola de Frankfurt é hoje mais intensa do que nunca.”

Assim como hoje, a Alemanha dos anos 1920 não era o ambiente mais propício para intelectuais marxistas criarem uma escola, ainda mais em Frankfurt, então como agora centro financeiro da Europa. Além disso, o fato de a maior parte de seu corpo docente pertencer a famílias judias agravava a situação, pois eram alvos do nazismo. Inaugurado em 22 de junho
de 19124. o Instituto de Estudos Sociais reuniu os homens certos na ocasião mais errada da História: o limiar do Terceiro Reich.

Teoria e prática

O criador da instituição, Félix Weil, integrava a geração de intelectuais que enfrentou seus pais, empresários judeus. Filho do especulador de trigo Hermann Weil, Félix poderia ter escolhido um carro, um iate ou um palácio, mas se decidiu por um presente inusitado: uma escola de estudos marxistas que pesquisasse as razões do fracasso do Levante Espartaquista (1918-1919). Hermann aceitou e impôs uma gestão que tornou a escola sustentável até hoje — seu único aspecto imutável.

A SEDE O Instituto de Estudos Sociais, inaugurado em 1924: prédio de aspecto fascista abrigava sábios marxistas e elitistas (Crédito:Divulgação)

Logicamente o objeto de análise dos professores mudou à medida que o capitalismo ficou mais complexo na era do consumo. Impotentes para atuar na política, eles se isolaram na cátedra. Se Marx dizia que os filósofos se ocuparam em interpretar o mundo, mas deviam transformá-lo, o grupo de Frankfurt chegou à conclusão inversa. De acordo com eles, os pensadores marxistas tentaram inutilmente mudar o mundo, e agora só lhes restava questioná-lo pelo pensamento crítico. Elaboraram, então, a Teoria Crítica da Sociedade para analisar a mercadoria cultural que se convertia em valor espiritual. Foi assim que ganharam o apelido de “bolcheviques de salão”; e sua escola, “Café Marx”. O filósofo húngaro György Lukács foi mais ferino e afirmou que eles habitavam o “Grande Hotel Abismo”, “equipado com todo o conforto, à beira de um abismo, o da vacuidade,
da absurdidade”.

O repúdio a esses ativistas passivos se revelou mais virulento quando se exilaram na Califórnia, porque ali receberam subsídios dos capitalistas que tanto amavam odiar. Ao retornarem à sede alemã, em 1948, foram desprezados pelo meio acadêmico. O divórcio que incentivaram entre a prática e a teoria lhes abalou a reputação, mas não a fama. “As críticas que fizeram à mídia e à arte continuam a ser citadas com fervor”, diz Jeffries. Mas hoje seus nomes e obras se destacam naquilo que achavam mais repulsivo: a indústria cultural.

Quem é quem na Teoria Crítica