Na França, um dos países com melhores níveis de educação do planeta, 30% das pessoas desconfiam das vacinas. Em Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo, esse número é só de 3%. O que observamos nesses dois países é uma relação inversa entre os níveis de instrução da população e a confiança nos cientistas.

Em um mundo onde a esfericidade da terra, as mudanças climáticas e até mesmo a eficácia de vacinas são questionadas, o que vemos é uma desconfiança das pessoas em relação aos especialistas.

A desconfiança é fomentada por meio das teorias da conspiração. Ao contrário do que muitos pensam, essas teorias não são elaboradas por pessoas que deixam de “pecar pelo brilhantismo”. Pelo contrário. Para arquitetar as tais teorias conspiratórias, o indivíduo deve ser razoavelmente inteligente pois precisa ter o mínimo de conhecimento de mundo e manipular meias-verdades.

Em 1998, o médico Andrew Wakefield, no Reino Unido, publicou um artigo coassinado com outros autores em uma respeitada revista médica, The Lancet, que estabelecia uma suposta relação entre um tipo de vacina e o autismo. Em 2004, soube-se que Wakefield estava sendo pago por um advogado que planejava uma ação judicial contra o fabricante de tal vacina e que o próprio médico havia registrado uma patente para uma vacina concorrente, entre várias outras fraudes do estudo. Posteriormente, quase todos os outros coautores retiraram seus nomes do estudo. Em 2010, The Lancet retratou-se pelo artigo de Wakefield, que perdeu sua licença médica, porém, o estrago já havia sido feito e as fakenews se espalhavam. Essas teorias podem ter consequências extremamente graves, produzir pânico e desconstruir a ciência.

O que vemos hoje no Brasil e alguns outros países é o resgate e utilização de teorias antigas, já descartadas, como ferramenta para o estabelecimento do domínio político. Parte da população passa a acreditar que forças do mal estão tentando destituir seus líderes, portanto, qualquer possível boato é automaticamente classificado como uma invenção da mídia ou de seus opositores. As teorias da conspiração tendem a ser aceitas em sociedades impactadas por traumas coletivos.

Para os conspiracionistas, a falta de provas não é vista pelo que ela realmente é: a ausência de provas, mas como o resultado do ótimo trabalho de alguém ou de uma organização que conseguiu ocultá-las.

Quando essas teorias passam a ser utilizadas por líderes políticos mal-intencionados, como assistimos cotidianamente no Brasil e mais recentemente no estado da Flórida, onde a variante delta do Coronavírus atingiu níveis alarmantes e começou a colapsar o sistema de saúde, elas se tornam uma ameaça às vidas humanas. Deixam de ser simples teorias de conspiração e tornam-se verdadeiras armas.

Teorias da Conspiração são muito difíceis de combater. Não basta simplesmente “procurarmos” a verdade pela web. Em uma época em que usamos a internet como oráculo digital, o acesso às informações não serve para que as pessoas busquem a verdade mas para que encontrem respaldo para suas crenças pré-existentes. Por isso a tática mais eficaz para combater esse tipo de teoria seja adotando uma atitude científica. E isso significa não só estarmos dispostos a aceitar novos fatos, mas também a mudar de ideia conforme surjam novas evidências.

A ciência sozinha não possui o poder de mudar o mundo. Ela pode nos proporcionar curas e tratamentos para defender-nos de doenças. Contudo, é crucial que ela ande de mãos dadas com a nossa humildade intelectual, com o espírito público de nossos líderes, com a credibilidade da imprensa e com o bom senso da humanidade.

 

Uriã Fancelli é autor do livro “Populismo e Negacionismo” e possui mestrado-duplo em European Studies and Culture pela Universidade de Groningen (Países Baixos) e Universidade de Estrasburgo (França). Seu mestrado faz uma ponte entre Estudos Sociais, Culturais e Ciência Política, com forte foco na União Europeia. Uriã também é bacharel em Relações Internacionais pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), onde surgiu seu interesse em analisar movimentos populistas e organizações internacionais. Participou das Reuniões Anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial em Washington e foi Trainee na Seção Política da Delegação da União Europeia no Brasil, na qual realizou pesquisas sobre questões políticas atuais.