Das praias à Semana de Alta-Costura de Paris, as referências estéticas dos anos 1980 vêm sendo retomadas ao redor do mundo. Biquinis e maiôs fio dental e asa delta, blusas com acolchoadas ombreiras, roupas de tamanho exagerado (as tais oversized), como a calça baggy e a saia balonê, paleta neon e metalizada, acessórios extravagantes e coloridos. São esses alguns dos ícones que remetem instantaneamente à década em que Xuxa e David Bowie se consagraram como reis da cultura pop e ditavam tendências aqui e acolá. Quase meio século mais tarde, e após os últimos três anos de rígido isolamento social, o interesse pelo excessivo dá as caras outra vez, nas palavras do estilista e professor de Moda da FAAP Lorenzo Merlino. “A gente vive uma época de recuperações e o reaproveitamento do passado é constante”, explica ele, sobre o apreço à estética oitentista.

Estética extravagante: além das peças metalizadas e coloridas, e as roupas e acessórios oversized, cortes de cabelo retrô ganham destaque, entre franjas e curtinhos (Crédito:Divulgação)
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No Hemisfério Norte, local em que o verão efetivamente aterrissou, celebridades como a empresária Kim Kardashian, a atriz Kate Hudson e a modelo Emily Ratajkowski andam exibindo publicamente modelos pequenos e únicos.

Nos Estados Unidos, mais especificamente em Hollywood, grandes marcas como Victoria’s Secret já trazem o fio dental nas coleções de moda-praia 2023.

No Brasil, a versão do “biquíni tão pequenininho” nunca foi deixada para trás, mas vem ganhando novo apelo com a atual fase de extravasamento, sobretudo feminino. “Desde a Bossa Nova até Anitta, passando pela década de 1980, com uma estética tão marcante, tentamos retratar a jovem carioca”, diz Raquel Peréa, fundadora da marca Rolling, que nasceu para atender ao mercado de pole dance.

A coleção Girl From Rio foi inspirada em uma personagem pop do imaginário coletivo: a garota carioca. No clipe oficial da música de mesmo nome, a cantora Anitta aparece ocupando cada uma dessas “personas”.

Sem amarras

Raquel enxerga o movimento de retomada dos trajes retrô na moda praia de duas formas: “Tem a ver com um maior conforto das pessoas com o próprio corpo, o que as permite exibi-lo como desejam, mas também se relaciona a uma dissociação do corpo à mostra com algo vulgar”.

O motivo vai além de soltar as amarras nos dias quentes que invadem até o inverno brasileiro. De acordo com Lorenzo, o apego à moda radicalizada em suas cavas, volumes, cores e brilhos tem relação direta com o afrouxamento da pandemia: “Já que os anos 1980 foram um período de muita ousadia na moda, corresponde a esse momento em que todos estão querendo chamar atenção e dizer, de certa maneira, ‘oi, escapamos, vamos comemorar’”. A peça que transmite liberdade é, mais uma vez, divisora de águas na história da moda e da sociedade.

Enquanto o cavado asa delta nasceu com o próprio biquíni, em 1946, na França, reza a lenda que o pequeno fio dental surgiu em 1980 em terras brasileiras, pelas mãos do paraibano Alcindo Pereira — e teria sido popularizado pela modelo Magda Cotrofe em solo carioca.

A “garota de Ipanema” Helô Pinheiro e a atriz Leila Diniz integraram o time das influenciadoras que disseminaram as ondas do passado. O uso da peça, contudo, em qualquer parte do globo, estava longe de ser bem visto e as mulheres seguiam distantes da ainda tão almejada libertação.

Para a editora de moda Diana Vreeland (1903-1989), a peça foi uma das invenções mais importantes do século XX. “É lindo testemunhar esse fim de dever satisfação a quem quer que seja”, lembra Raquel sobre o impacto de usar o biquíni quase um século depois da primeira e polêmica aparição pré-feminismo de 1960.

As décadas avançam e a moda segue viva em sua lógica de repetições: importa-se asa delta, exporta-se fio dental, vê-se surgir a tanga, o sunquini e as hot pants. De tempos em tempos, voltam todos outra vez. “Em algum momento vamos ver um esgotamento da apreciação do extremo, mas ele sempre vai estar presente”, alerta Lorenzo.