11/07/2022 - 4:50
Em 1996, o biólogo evolucionista inglês Rupert Sheldrake e o teólogo rebelde americano Matthew Fox se reuniram para uma longa conversa sobre um possível denominador comum entre ciência e teologia.
Desse bate-papo surgiu um livro, The Physics of Angels (“A Física dos Anjos”, publicado no Brasil pela Editora Saraiva), revisado e ampliado em 2014, que colocou, mais uma vez, boa parte do establishment científico mundial de orelhas em pé contra Sheldrake, bem como boa parte do establishment teológico contra Fox.
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Por quê? Simplesmente porque, nesse livro, os autores consideram não apenas a possibilidade de que os anjos realmente existam, mas que seriam eles os codificadores da “forma” do homem e de todas as espécies viventes sobre a Terra. Os anjos seriam, em suma, os guardiões da “ideia” do DNA!
Realmente, inclusive neste século 21, em que todas as possibilidades são aventadas pela ciência, pode parecer bem estranho um cientista e um teólogo se encontrarem para conversar sobre anjos. Boa parte dos investigadores de ambas as disciplinas costuma se sentir incomodada em relação ao tema e pouco fala dele.
Para os teólogos, nos últimos 300 anos, era embaraçoso fazer até mesmo uma simples menção a anjos.
A partir da era industrial newtoniana-cartesiana, os anjos foram banidos e tratados como assunto de segunda categoria, mais ligados à mitologia e à superstição do que à verdade teológica.
Basicamente, desde essa época, registrou-se uma divisão: a religião ficou com a alma, que se tornou cada vez mais introvertida e apequenada, enquanto os cientistas ficaram com o universo.
Fenômeno psicológico
Durante a revolução científica do século 17, o universo foi mecanizado e, ao mesmo tempo, os céus foram secularizados. Passaram a ser considerados como feitos de pura matéria rodopiando pelo espaço afora em perfeito acordo com as leis newtonianas.
Não havia lugar, nesses céus da ciência, para intenções angélicas. Os anjos não cabiam no mundo mecanicista, exceto como fenômeno psicológico, existindo apenas no âmbito da nossa imaginação.
Mas agora, essa visão mecanicista do mundo está sendo suplantada pela própria ciência. E embora os establishments científico e teológico tenham ignorado os anjos, pesquisas recentes mostram que muitas pessoas ainda creem neles.
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Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de dois terços da população acreditam na existência dos anjos, e uma terça parte desses afirma ter pessoalmente sentido alguma presença angélica em suas vidas.
Estamos entrando agora em uma nova fase histórica, na qual ambas, ciência e teologia, novamente consideram o tema dos anjos relevante.
Tanto a nova cosmologia quanto a velha angelologia levantam questões significativas sobre a existência e o papel da consciência em níveis que superam os limites do humano.
Um dos pontos que fascinam os investigadores, por exemplo, são os paralelos entre as falas sobre anjos proferidas na Idade Média por São Tomás de Aquino e as de Albert Einstein, no século 20, quando ele falava de fótons, as partículas de luz que também têm natureza ondulatória.
“Se pensarmos nesses termos (como Tomás de Aquino pensava em um ser sem massa que poderia se mover e agir), suponho que chegaremos a conclusões bastante similares às de Einstein e outros pioneiros do século 20, quando eles estavam pensando em relatividade e teoria quântica”, afirma Sheldrake.
O diálogo reproduzido a seguir, extraído da introdução de A Física dos Anjos, mergulha diretamente na questão.
Movimento e ação
Sheldrake diz: “(…) Os anjos, de acordo com Aquino, não têm massa, não têm corpo. E o mesmo acontece com os fótons: eles não têm massa, e você só pode detectá-los por meio de suas ações.
Fox: Isso quer dizer que os fótons são imortais?
Sheldrake: Sim, enquanto eles estiverem se movendo à velocidade da luz, de um lugar para outro. Mas, quando agem, são extintos por meio de sua ação.
Por isso, nesse sentido, eles chegam a um fim; passam sua energia enquanto agem. Isso, acredito eu, os torna diferentes dos anjos.
Apesar de existirem paralelos entre a física moderna e as ideias medievais sobre os anjos, o aspecto da ciência moderna que mais suscita perguntas interessantes é a teoria da evolução. Na Idade Média, a natureza era tida como estática: o cosmo, a terra e as formas de vida existentes sobre ela não eram vistos como corpos em desenvolvimento.
Na biologia, a ideia de evolução foi inicialmente proposta, em termos científicos, em 1858, por Charles Darwin e Alfred Wallace. Na física, a ideia da evolução cósmica tornou-se ortodoxa no final dos anos 1960, como consequência da teoria do Big Bang sobre a origem do universo. Agora, vemos tudo como evolucionário na natureza. Isso significa que existe uma criatividade contínua em todos os seus domínios. Seria tudo isso uma questão fortuita, como os materialistas acreditam? Ou será que existem inteligências orientadoras trabalhando no processo evolucionário?
Até onde sei, uma das primeiras pessoas a explorar essa possibilidade foi Alfred Wallace. Depois que ele e Darwin publicaram a teoria da evolução pela seleção natural, Darwin desenvolveu um materialismo sombrio, que agora atravessa o pensamento neodarwinista, a doutrina ortodoxa da biologia acadêmica. Toda a evolução deve ter acontecido por acaso e por meio de leis da natureza inconscientes, sem qualquer sentido ou objetivo.”
Inteligências criativas
Sheldrake prossegue: “Em contrapartida, Wallace chegou à conclusão de que a evolução abrangia mais do que a seleção natural, e que era guiada por inteligências criativas que ele identificava com anjos. Ele resumiu essa ideia no título de seu último livro, The Word of Life: a manifestation of creative power, directive mind and ultimate purpose (“O Mundo da Vida: uma manifestação do poder criativo, da mente diretiva e do propósito final”). Hoje, ouvimos muito a respeito de Darwin, mas pouco sobre Wallace.
Fico fascinado em saber que esses conceitos tão diferentes de evolução foram expressos pelos dois fundadores da teoria evolucionária; eles mostram que a evolução pode ser interpretada de maneiras bem distintas. Se o indivíduo for materialista, a criatividade evolucionária pode ser apenas uma questão de acaso. Mas se ele acredita que há outras forças ou inteligências no universo, então existem outras fontes possíveis de criatividade, quer ele as chame de anjos ou não.
Isso levanta um problema com o qual Tomás de Aquino e outros pensadores medievais não tinham de lidar, ou seja, o papel dos anjos na evolução. Por exemplo, à medida que novas galáxias aparecem, supõe-se que os anjos designados para governar cada uma delas passem a existir junto com o surgimento desses sistemas estelares, a menos que todos os anjos lá estejam esperando para se manifestar no momento do Big Bang.”
O livro de Sheldrake e Fox dá pano para mangas ao enveredar pelas curiosas analogias que surgem dos estudos comparados entre ciência e teologia a respeito dos anjos. A verdade é que o conhecimento ocidental tradicional sobre anjos é muito mais profundo e rico do que desavisadamente se pode pensar. Tal conhecimento diz respeito à comunidade humana e ao seu desenvolvimento, bem como às nossas relações interpessoais, com Deus e o universo. Esses valores estão bem de acordo com uma compreensão mais holística e orgânica da natureza e da sociedade.
Quem são os anjos?
A história dos anjos – do grego ánghelos, que significa enviado, mensageiro, intermediário entre os homens e a divindade – está presente em muitas culturas e religiões. Existe praticamente desde o início dos tempos históricos, talvez antes. Os anjos já apareciam em algumas culturas pré-cristãs: na mitologia persa, por exemplo, existem Isfendar, anjo tutelar da castidade feminina e da paz em família, e os cinco Farvar, que se colocam ao lado do homem e o protegem do inimigo.
De acordo com a crença dos assírios e dos babilônios, o deus Anu tinha a seu serviço seres chamados sukkal (mensageiros). Entre os babilônios encontramos, por exemplo, Papsukal e Gibil, ambos encarregados de transmitir mensagens contendo a vontade divina. Havia também outros dois “anjos” representados por figuras barbudas e com quatro patas, talvez indicando sua dupla função de guardiões dos homens e dos animais. Mas eles não estavam a serviço do Deus bíblico, e sim de Ahura-Mazda, o deus supremo do zoroastrismo (século 6 antes de Cristo).
Essa religião monoteísta nascida na Pérsia considera a existência de diversas entidades denominadas amesha spenta (imortais benéficos), que colaboraram nos trabalhos de criação do mundo e até hoje intervêm nas questões humanas e mundanas, exatamente como os arcanjos do cristianismo. O zoroastrismo já previa, 600 anos antes de Cristo, a ideia de figuras similares aos nossos anjos da guarda, os fravashi. Eles eram “duplos” espirituais de cada indivíduo, preexistentes ao nascimento das pessoas e permanentes depois da morte delas.
O zoroastrismo, que influenciou o filósofo judeu Fílon de Alexandria, também inspirou a teosofia, movimento que surgiu na Europa na segunda metade do século 19 com a intenção de coligar a ciência ao misticismo oriental. Por exemplo, com a definição de “corpo astral”, um duplo espiritual que existiria fora do nosso corpo em outra dimensão. Figuras de tipo angélico existiam também na antiga Grécia: a protetora de Aquiles, Atena, se comportava como mensageira alada, e da mesma forma agia Hermes, que também tinha um protegido, Ulisses.
Anjos pelo mundo
Na religião tibetana, os anjos podem ser tanto de sexo masculino quanto feminino, mas no cristianismo até se discute a respeito do sexo dos anjos. Já no judaísmo, os anjos (malak), feitos por Deus no segundo dia da criação, têm a incumbência de honrar a Deus e de apresentar sua vontade aos homens. Três arcanjos – Miguel, Gabriel e Rafael – atuam como guias. Ao redor deles existem miríades de anjos cujos nomes terminam sempre em “el”, ou seja “divino”.
O filósofo Platão se referia aos mediadores entre o céu e a Terra. Eros, ou Cupido para os romanos, era um deles. Discípulo de Platão, Aristóteles falava de criaturas feitas de puro espírito, não sujeitas às paixões humanas, mas capazes de tornar possível o movimento do universo. No Islã existem três tipos de criaturas aladas: os anjos, com funções similares àquelas previstas no judaísmo e no cristianismo, os djin (gênios), que podem ser benéficos ou maléficos para os humanos, e os diabos.
Os anjos da guarda “chegaram” ao cristianismo só depois da Contrarreforma, em resposta aos protestantes, que tinham relegado as hostes angélicas ao papel de meros figurantes. Os anjos, enfim, chegaram até o século 21, e a crença neles não mostra sinais de esmorecimento. Acreditando-se ou não na existência dos anjos, o argumento permanece sério. Para repetir o comentário do psicólogo Carl Gustav Jung, 4 mil anos de fé nessas criaturas criaram uma “verdade” armazenada naquele grande reservatório denominado “inconsciente coletivo” (na prática, uma visão de mundo comum a todos nós e adquirida de maneira quase inconsciente).
Na opinião de Jung, os anjos são importantes “arquétipos culturais”, ou seja, pontos de referência da nossa maneira de pensar, acreditando-se neles ou não. Não devemos, portanto, estar muito surpresos se um biólogo evolucionista do porte de Rupert Sheldrake acredita neles, embora pela perspectiva da física quântica…
Características angelicais
Alguns dos aspectos mais comumente registrados nos anjos
• Poder
Os anjos causam assombro. Quando um deles aparece na Bíblia, as primeiras palavras ditas são: “Não tenha medo”
• Compreensão
Eles demonstram ser extremamente compreensivos, além de pensarem em grande profundidade e serem especializados em intuições
• Deveres
Eles têm missões grandiosas a cumprir, relacionadas à sabedoria e ao conhecimento que detêm
• Louvação a Deus
São Tomás de Aquino e Hildegard de Bingen observam que, ao contrário do diabo, os anjos louvam a Deus
• Trabalho associado
Os anjos atuam frequentemente em parceria com os humanos – defendendo-nos, inspirando-nos, curando-nos, antecipando novidades importantes para nós, levando-nos a outros planos para que adquiramos conhecimento a ser trazido para esta vida
• Felicidade
Praticamente todas as pessoas que relatam algum tipo de contato com anjos se dizem felizes com a experiência