Cada família tem uma tia maluca. Uma que desenvolve lá suas manias e todo mundo releva. Tia Jussara é a tia maluca da minha família. Maluca mesmo, de internar. Mas ninguém faria uma maldade dessas com ela. Adora jogar xadrez. Todos os dias senta na frente do tabuleiro de madeira, do lado das brancas, e coloca um Santo do lado das pretas. Aí joga sua partida movendo as peças brancas, dela, e as pretas do Santo.

Não ganha sempre. Podem até acusá-la de maluca, mas nunca de desonesta. Tia Jussara comenta as jogadas do oponente.

– Parabéns Santo Agostinho. Esse sacrifício de dama foi muito inteligente.

– Ô, Santo Antonio. Tá distraído hoje, hein? Entregou a torre e agora o bispo.

Tia Jussara mora só, num sobrado em Sorocaba. Mas, graças a sua maluquice, nunca está sozinha. Conversa com os Santos, as plantas e, principalmente, com a televisão. Ah, a televisão. Melhor amiga da tia Jussara, de longe. Vai do Rodrigo Boccardi até a Renata Lo Prete, em longas conversas. Fala sobre tudo com eles. Conhece a intimidade de cada um. Ficou arrasada quando o Bonner se separou.

Por falar em Bonner, gente que responde o “Boa Noite” para o Bonner é comum. Tia Jussara vai mais longe.
– Boa noite, Bonner. Deus te abençoe.

Esse ingênuo “Deus te abençoe” mostra como ela se preocupa com seus amigos. Novelas, para tia Jussara, são praticamente um jantar em família.

Claro que não poderia ser diferente com os políticos.

Na época do Lula, tia Jussara sofreu.

– Não tenho assunto com esse homem. — Lamentava.

Com Dilma melhorou.

Falavam de mulher para mulher, apesar dos discursos da presidenta a irritarem.

A cada discurso, colada na televisão, apelava:

– Presidenta, não tô entendendo! Não tô entendendo nada do que você tá falando.

Quando Bolsonaro apareceu, tia Jussara me ligou para contar sobre o novo amigo.

– Ah, meu filho, esse rapaz é uma simpatia.

A cada aparição do então candidato, tia Jussara olhava em volta orgulhosa:

– Não falei São José? Agora vai! É disso que o Brasil precisa.

No dia da facada, até me preocupei, porque não atendia o telefone.

Depois me explicou que estavam todos rezando.

Ela, os Santos e as plantas. Rezaram três terços inteiros.

Desconfio que tia Jussara votou no presidente em nome da relação que construíram durante a campanha, muito mais do que por suas propostas. Eleito, começou a montar o ministério.

– Tô gostando das suas escolhas, meu querido. Muito mesmo. Não é Nossa Senhora? Estamos gostando muito!
Quando o Moro aceitou a pasta da Justiça, tia Jussara colocou todos os Santos diante da TV para assistir o Jornal Nacional e fez um bolo de cenoura, afinal, estava orgulhosa pela conquista do ex-juiz, seu amigo de longa data.

De farra, perguntei o que ela tinha achado da escolha:
– Uma beleza, meu filho. Só São Matheus que não comeu quase nada, mas estava radiante.

Assistindo ao discurso de demissão de Sérgio Moro, só conseguia pensar na tia Jussara. Quando ele terminou, liguei para ela.

– Tudo bem, tia?

– Ah meu filho, estou muito triste. Nem quero falar agora. Virei os Santos todos para a parede para não testemunharem essa vergonha. Mas falei umas poucas e boas para esse menino.

Mas o dia ainda reservava mais surpresas para o coração de tia Jussara.

Encerrado o confuso discurso do presidente, liguei de novo.

– Olha meu filho, eu estou de poucas palavras hoje. Primeiro foi esse ministro Judas, depois perdi no xadrez para o menino Jesus. E agora isso.

– Sim tia! Por isso eu liguei. Quero saber o que a senhora disse para o presidente!

– Ah nem te conto. Os impropérios que eu disse não tenho nem coragem de repetir, mas uma coisa eu te digo: eu não
falo mais com esse homem. E nem a sambaia, que gostava tanto dele.

O discurso de despedida de Moro e a resposta de Bolsonaro são profanos, dignos de impropérios. Esse governo não tem jeito, nem rezando a São José