Durante 40 dias, quatro crianças indígenas vagaram perdidas pela selva amazônica colombiana, as únicas sobreviventes de um acidente de avião em 1º de maio. Uma espetacular operação de busca, pistas e falsos anúncios fizeram parte da cronologia que terminou nesta sexta-feira (9) com a descoberta dos menores com vida.

– O voo –

Na manhã de 1º de maio, um avião de serviço privado Cessna 206 da empresa Avianline Charters’s deixou uma área de selva conhecida como Araracuara, com destino a San José del Guaviare (sul), uma das principais cidades da Amazônia colombiana.

A bordo estavam o piloto, uma liderança indígena da comunidade huitoto, a indígena Magdalena Mucutui Valencia e seus quatro filhos, de 13, 9 e 4 anos, e um bebê de 11 meses na época.

Minutos após iniciar a viagem de cerca de 350 quilômetros sobre a selva, o comandante da aeronave relatou problemas no motor, e o avião desapareceu dos radares.

Segundo informação oficial, os menores embarcaram na aeronave com a mãe para fugir das ameaças de guerrilheiros dissidentes, que se afastaram do pacto de paz assinado pela então guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

– Os rastros –

Entre 15 e 16 de maio, soldados encontraram o piloto morto na cabine de comando, no sul do departamento de Caquetá. O avião ficou preso entre as árvores e teve a parte frontal destruída.

Os outros dois adultos também morreram, embora não se tenha especificado onde seus corpos estavam. Não havia notícias das crianças.

Um cachorro treinado encontrou uma garrafa em uma área remota do local do acidente. Mais de 100 soldados foram destacados para a área, com a suspeita de haver pelo menos um sobrevivente.

Juntaram-se à busca dezenas de indígenas de povoados próximos, acostumados a se deslocarem na Amazônia, uma floresta de tempestades elétricas frequentes onde vivem onças, cobras e outros animais selvagens.

De helicóptero, a Força Aérea sobrevoava a selva, transmitindo mensagens da avó das crianças em seu próprio idioma, por meio de alto-falantes. Nelas, pedia que parassem de avançar.

Entre a densa vegetação, apareciam sapatos, roupas e frutas recém-mordidas. A cerca de 2,5 quilômetros do local onde o avião caiu, os militares encontraram um acampamento abandonado por guerrilheiros.

– Anúncio falso –

A chamada “Operação Esperança” seguiu o rastro das crianças em uma área de cerca de 323 quilômetros quadrados, equivalente a toda a província de Buenos Aires.

Três semanas após o acidente, as tropas encontraram duas fraldas e um par de chinelos e garantiram que haviam passado a menos de 100 metros dos menores. A busca foi reduzida a um setor de 20 quilômetros quadrados da mata.

Em 17 de maio, os soldados encontraram um acampamento improvisado feito de galhos e gravetos. Um cão encontrou uma tesoura e fitas de cabelo.

Nesse mesmo dia e horas depois, o presidente Gustavo Petro anunciou que os irmãos haviam sido encontrados com vida. No dia seguinte, ele se retrata e lamenta a informação falsa.

Em 26 de maio, os militares organizaram uma festa simbólica para Cristín, a bebê do grupo, que naquele dia completava um ano e estava perdida na selva há quase um mês.

– Wilson –

Em 8 de junho, quando a busca pelas crianças havia ficado em segundo plano em meio a uma crise de governo provocada por um escândalo de escutas telefônicas, os militares relataram que Wilson, um cão farejador envolvido na busca, havia desaparecido na selva.

O pastor belga de seis anos foi o cachorro que encontrou a mamadeira de Cristín no meio da vegetação. Segundo boletim do Exército, é possível que ele tenha ficado “desorientado” com a “complexidade do terreno”. Os militares também encontraram as pegadas do cachorro próximas às dos menores.

– Milagre –

Na tarde de 9 de junho, Petro anunciou que os menores “apareceram com vida” e divulgou uma foto, em que estão cercados por militares e indígenas que participaram das buscas. Todos eles parecem muito magros e estão descalços.

“Estavam sozinhos, eles mesmos conseguiram”, comemorou o presidente.

Os irmãos foram encontrados a 5 quilômetros do ponto onde a aeronave caiu e “estabilizados” por enfermeiros de combate, segundo o Ministério da Defesa.

Por volta das 21h, a entidade informou que as crianças estavam embarcando em um helicóptero para serem transferidas para San José de Guaviare, a cidade mais próxima, onde passarão por avaliação médica. Wilson, o cachorro, não estava com eles.

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