O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, apresentou ao Congresso, nesta quarta-feira (20), uma reforma constitucional para obter o controle total de todos os poderes do país ao lado de sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, a quem dará o cargo de “copresidente”.

A proposta, que aumenta o mandato presidencial de cinco para seis anos, será votada na Assembleia Nacional, controlada pela governante Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) nos próximos dias. Segundo a imprensa governista, “está-se trabalhando para a pronta aprovação” da proposta.

Ortega, um ex-guerrilheiro de 79 anos, governou a Nicarágua na década de 1980 e voltou ao poder em 2007, desde quando comanda o país ao lado de sua esposa. Ambos são acusados pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por alguns países latino-americanos de instaurarem uma autocracia no país.

A reforma confirma o poder que Murillo já tem, elevando sua posição: “A Presidência da República será integrada por um copresidente e uma copresidente”, que serão eleitos em pleitos “a cada seis anos” e não cinco, como é atualmente, segundo o texto.

Os copresidentes coordenarão “os órgãos legislativo, judicial, eleitoral, de controle e fiscalização, regionais e municipais”, que a Constituição vigente reconhecia como independentes.

A reforma “consolida o que avançamos neste processo revolucionário de todos os nicaraguenses”, afirmou Gustavo Porras, presidente da Assembleia Nacional, perante os deputados que vão analisar o texto em uma comissão especial.

É “meramente uma forma aberrante de institucionalização da ditadura matrimonial” e uma “agressão definitiva ao Estado de Direito Democrático”, reagiu o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.

Controle social

Organizações no exílio repudiaram a iniciativa. “Destrói os direitos básicos, legitima a violência estatal e concentra todo o poder em Ortega e Murillo. [É] Um golpe direto na democracia e nas liberdades”, declarou, em nota, a Aliança Universitária Nicaraguense (AUN).

A reforma determina que “os traidores da Pátria perdem a nacionalidade nicaraguense”, como fez o governo com cerca de 450 políticos, empresários, jornalistas, intelectuais, ativistas dos direitos humanos e religiosos que foram expulsos do país e tiveram sua nacionalidade retirada após os protestos de 2018.

Ortega e sua mulher acusam a Igreja, jornalistas e ONGs de terem apoiado esses protestos, que deixaram mais de 300 civis mortos, segundo a ONU, e que eles consideram uma tentativa de golpe de Estado patrocinada por Washington.

A proposta estabelece controles para a imprensa e a Igreja, para que não respondam a “interesses estrangeiros”.

Outra iniciativa da lei, apresentada em paralelo à reforma constitucional, ameaça com multas e suspensão de operações a quem aplicar sanções estrangeiras.

“O Estado vigiará [para] que os meios de comunicação social não sejam submetidos a interesses estrangeiros, nem divulguem notícias falsas”, ressaltou.

Além disso, “no amparo da religião, nenhuma pessoa ou organização pode realizar atividades que atentem contra a ordem pública”, acrescenta o texto.

Um total de 278 jornalistas se exilaram e exercem suas funções a partir da Costa Rica e dos Estados Unidos, enquanto meia centena de religiosos foram enviados para o exterior, principalmente para o Vaticano.

Na reforma, o governo propõe a criação de uma “Polícia Voluntária”, composta por civis, como “corpo auxiliar e de apoio” às forças de segurança.

Durante os protestos multitudinários de 2018, homens encapuzados e fortemente armados intervieram para retirar as trincheiras montadas por universitários e controlar os manifestantes. Milhares de pessoas partiram para o exílio.

Segundo a proposta, a Nicarágua se define como um Estado “revolucionário” e inclui, entre outros símbolos pátrios, a bandeira vermelha e preta da FSLN, ex-guerrilha que liderou uma insurreição popular que depôs o ditador Anastasio Somoza em 1979.