Reduções de verbas, quebras de contratos, adiamentos, cancelamentos. É com essa realidade, efeito da crise econômica e de problemas antigos de gestão, que a música clássica e a ópera brasileiras entram no segundo semestre de 2016. Uma realidade cujos efeitos variam de projeto a projeto, mas se espalham por todo o País. E tem levado instituições a readequar suas atividades ou a repensar seus planos de ação.

Em São Paulo, os cortes sistemáticos iniciados em 2015 pelo governo do Estado acabam de ganhar novos capítulos. No sábado, o Festival de Campos do Jordão, que já havia sofrido redução no ano passado, iniciou sua 47.ª edição com orçamento 30% menor em relação a 2015. E, na sexta, o Theatro São Pedro anunciou o cancelamento de uma das óperas programadas – O Espelho, de Jorge Antunes – e a substituição de Il Trovatore, de Verdi, por Gianni Schicchi, ópera em um ato de Puccini (o Instituto Pensarte, organização social responsável pelo teatro, recusou-se a divulgar o total de diminuição em seu orçamento).

Esses cortes se somam a outros: em 2015, a Escola de Música do Estado de São Paulo precisou fazer demissões e cortes de vagas depois de uma redução de 10% no repasse estatal. A Osesp também não escapou: na temporada passada, houve diminuição de R$ 20 milhões no repasse do contrato de gestão; em 2016, foram R$ 10 milhões, levando a cortes nas áreas administrativa, técnica e de manutenção. “Se os valores do repasse forem mantidos em 2016, teremos um orçamento equilibrado, apesar da diminuição da captação neste ano”, afirma Marcelo Lopes, diretor executivo da Fundação Osesp.

No Rio, o Teatro Municipal se insere no contexto da crise pela qual passa o Estado. “A crise atinge especialmente o Rio. Por isso, a primeira providência que tomamos foi buscar recursos externos e gerar mais receitas para financiar a programação artística do Teatro Municipal anunciada para este ano”, diz João Guilherme Ripper, presidente da fundação que mantém o teatro. Com isso, reduziu-se ao máximo a necessidade de cortes na programação, mesmo com diminuição orçamentária. Mas o teatro foi obrigado, na semana passada, a adiar em cerca de uma semana a estreia da ópera Orfeu e Eurídice devido a uma paralisação dos funcionários, motivada pelo não pagamento dos servidores estaduais.

Na Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira, a situação é mais complicada. A orquestra anunciou em junho o cancelamento de 11 concertos e o remanejamento de quatro apresentações, paralisando as atividades até o final de setembro. O grupo não deu detalhes a respeito da decisão, mas fontes ligadas à orquestra afirmam que, além da crise, há o acúmulo de problemas de gestão que interferiram na capacidade de planejamento. Procurada pela reportagem, a Fundação OSB não respondeu ao pedido de entrevista sobre o tema.

Desaceleração

Em Belo Horizonte, a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais também sentiu o impacto da desaceleração da economia e sofreu com problemas pontuais, como o cancelamento, em 2015, do edital da lei estadual de mecenato. Mas a programação na Sala Minas Gerais foi preservada. “O fato de termos buscado novos modelos de gestão, com fontes variadas de financiamento – público, privado e bilheteria – nos permite lidar com a crise de outra forma”, diz o presidente do Instituto Filarmônica, Diomar Silveira. A orquestra perdeu patrocinadores grandes, mas conseguiu, “no varejo”, outros parceiros, atingindo a meta de captação de R$ 5,7 milhões. “O investimento agora é no diálogo com o governo para que não haja revés no contrato de gestão com o estado, pelo qual nos é repassada a verba para salários”, explica.

Em Belém, o Festival de Ópera do Teatro da Paz confirmou para agosto e setembro sua nova edição – mas com apenas uma ópera, Turandot, de Puccini, em vez das três que costumam ser apresentadas. “Foi a maneira de continuar a produzir. Em menos quantidade, sim, mas com qualidade”, diz Mauro Wrona, diretor artístico.

De maneira geral, os grupos que nos últimos anos conseguiram repensar sua estrutura administrativa – na maior parte por meio do modelo de organizações sociais, como acontece em Minas ou com a Osesp – têm conseguido lidar melhor com os cortes. “Desde o início da Fundação Osesp nos pautamos por uma gestão conservadora, produzindo superávits com a finalidade de formar um fundo de capital e recursos de reserva. Esse pensamento estratégico é necessário”, diz Marcelo Lopes, para quem pensar no longo prazo permitiu a criação de “meios de sobreviver a esses primeiros anos de crise”.

Por outro lado, orquestras que, apesar do crescimento artístico, não conseguiram resolver a questão estrutural os veem potencializados em um momento de crise. É o caso das sinfônicas de Sergipe e da Bahia. Em Aracaju, os 60 músicos da orquestra atuam por meio de cargos comissionados do governo do Estado, o que mantém à espreita o fantasma da não renovação desses contratos temporários, o que levaria ao fim do grupo. E a instituição do modelo de OSs, que poderia solucionar a questão, está paralisada. “Desde 2008, por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal, os músicos não recebem aumentos”, diz o maestro Guilherme Mannis, que perdeu também o patrocínio do banco estatal, ficando sem verba – cerca de R$ 400 mil – para contratação de maestros e solistas convidados.

O mesmo aconteceu em Salvador, onde, segundo músicos, está emperrado o processo de transformação da Sinfônica da Bahia em uma parceria público privada, apesar do recente aumento de 192% no público. O maestro Carlos Prazeres, por sua vez, chama atenção para o fato de que o grupo tem hoje 45 músicos e precisaria ter 80 para poder voltar a realizar o repertório sinfônico. A orquestra também está sem verbas para contratar artistas convidados.

Abrir mão da verba de programação foi a solução encontrada pela Sinfônica do Espírito Santo para lidar com a crise. A orquestra tem músicos temporários, sem os quais não seria possível fazer concertos. Optou-se, então, em conjunto com o governo, por continuar pagando os artistas com a verba que seria de programação. “Com isso, mantivemos nossa temporada regular, investindo nos solistas da própria orquestra”, diz o maestro Helder Trefzger.

Se é uma solução para algumas instituições, o corte de verba de programação afeta diretamente artistas freelancers, como solistas e maestros. Sócio da ArteMatriz, uma das principais agências de representação do País, Éser Menezes fala em uma redução de mais de 50% nos contratos. “O mercado brasileiro é pequeno e o artista depende dele. Se a situação normalmente já é frágil, em um momento de crise torna-se crítica”, diz.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.