Em 1998 foi promulgada, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, a Emenda Constitucional nº 19, que trazia uma Reforma Administrativa. A iniciativa era parte das medidas de estabilização fiscal implementadas após o Plano Real para consolidar o controle da inflação, reduzindo o gasto público com o funcionalismo. Uma questão fundamental era conter os altos salários.

Em 1989, o então candidato ao Planalto Fernando Collor de Mello cunhou o termo “marajá” para se referir a esse grupo de servidores privilegiados. Na época, os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal foram utilizados como parâmetro – hoje, o valor é de R$ 41,6 mil. A medida foi parcialmente implementada. Entretanto, algumas categorias conseguem, por meio dos chamados “penduricalhos”, engordar bastante esse valor.

Reportagem publicada em O Estado de S. Paulo em 14 de janeiro mostrou que quase a metade dos procuradores e promotores dos Ministérios Públicos dos estados ganha acima do teto. E por quê? Porque há benefícios que se enquadram como indenização, estão livres de impostos e não se sujeitam ao corta-teto. De acordo com a reportagem, os 11,2 mil procuradores e promotores estaduais do País custaram cerca de R$ 8,3 bilhões aos cofres públicos em 2023.

Ao jornal, os MPs asseguraram que a remuneração encontra-se em “integral consonância com o ordenamento jurídico vigente”. Ah, bom! Houve um procurador que, no ano passado, recebeu R$ 204,2 mil (R$ 178 mil líquido) em apenas um mês. Outro recebeu entre R$ 114,4 mil e R$ 172,2 mil em 2023. Por serem verbas indenizatórias, essa “gordura” fabulosa no contracheque acaba não sendo sequer analisada pelo Legislativo. São decisões administrativas. É quase um acordo de cavalheiros.

No Brasil, há lei que “pega” e lei que “não pega”. Mas há também Emenda Constitucional que “pega” e que “não pega”. Muito fácil encontrar argumentos jurídicos para manter privilégios com os quais o País não pode arcar.

Nossa Reforma Tributária, aprovada no ano passado e cuja regulamentação será enviada em breve ao Congresso Nacional, deve fazer do Brasil um dos países com o maior IVA (Imposto sobre Valor Agregado) do mundo. Dez estados e o Distrito Federal decidiram aumentar em até 2,5 pontos porcentuais a alíquota do ICMS este ano. Ou seja, o ajuste vem na maior parte das vezes pelo lado da receita. Falta coragem para enfrentar privilégios de determinadas castas.

Soa como cinismo o argumento de que tais benefícios estão alinhados com o ordenamento jurídico do País. Na verdade, trata-se de uma certa complacência entre os Poderes no sentido de não se atacarem privilégios de outros para que os seus não sejam também questionados.