Fiador da aliança entre Lula e Geraldo Alckmin, o ex-governador Márcio França (PSB) espera se tornar uma voz influente no Congresso e também na política paulista após a crise do PSDB. Ele liderou toda a corrida para a vaga ao Senado, apesar de aparecer tecnicamente empatado na reta final com o ex-astronauta bolsonarista Marcos Pontes. Em Brasília, nega que vá integrar o ministério de um eventual governo Lula. No Senado, espera defender São Paulo na Reforma Tributária, que, acredita, será o primeiro tema a ser discutido em 2023. Também aposta no fim do orçamento secreto e do teto de gastos, que “impôs regras como mantras, que não são reais”. Nome histórico do PSB, legenda para a qual Alckmin migrou depois de deixar o ninho tucano, França acha que seu partido tem tudo para crescer no estado após o possível fim de décadas de hegemonia do PSDB. Para isso, conta também com sua esposa, Lúcia França, que é a vice do candidato a governador Fernando Haddad, líder da corrida no primeiro turno. O pessebista nega que ela deseje ter espaço em um eventual governo do PT no estado, o que o beneficiaria, mas diz que sua aliança com Lula e com Alckmin vai atrair prefeitos no estado e gerar novos voos no futuro.

O senhor está confiante na vitória para o Senado?
Eleição majoritária nunca permite ter certeza, às vezes há mudanças rápidas. Mas tenho ficado desde o começo das pesquisas nessa faixa acima de 30%. Há um detalhe que pouca gente presta atenção. Não são todos que votam em candidatos a senador: sobram em média 73% dos eleitores Na eleição do José Serra, quando ele disputou essa vaga, por exemplo, ele teve 40% dos 70% que votaram. Mas estou confiante, acho que o trabalho foi feito. Tenho um recall de ter sido governador e de ter disputado a Prefeitura, o que ajuda. Mas existe sempre o risco do inusitado.

O senhor vai integrar o ministério de um eventual governo Lula?
Não tenho essa pretensão. Claro, qualquer senador eleito de São Paulo sempre é lembrado pela articulação partidária. E fui eu quem indicou o Geraldo Alckmin para o ex-presidente. Isso naturalmente criou uma relação de acerto, porque no começo foi muito complicado. Mas o Senado é importante para São Paulo. Vamos iniciar o ano com a Reforma Tributária, e essa é uma disputa muito ferrenha para o estado. São Paulo precisa ter senadores com voz forte para interferir nesses assuntos. A Reforma Tributária é a espinha dorsal da administração de São Paulo. É claro que o objetivo final é mudar o ICMS para IVA (Imposto sobre Valor Agregado). E isso, para nós, que somos um estado industrializado, tem que ser feito com muito cuidado. Senão, um estado rico vira pobre em poucos minutos.

Essa vai ser a prioridade do governo Lula?
Claro, vai ser a primeira. Provavelmente, Lula vai ter que fazer antes um giro internacional para recuperar a imagem do País. Mas, do ponto de vista parlamentar, essa reforma é a prioridade. Ela vai ficar premente porque fizeram muitas intervenções no Congresso, mudaram inclusive o pacto federativo ao mexer no ICMS dos estados. Muitos não conseguirão sobreviver com essa mudança que foi feita no preço dos combustíveis, da energia elétrica.

A Reforma Tributária virá antes de outras propostas debatidas na campanha?
Acho que sim. Talvez não com o nome de Reforma Tributária, porque isso dá a impressão de algo muito grande. Talvez seja em pedaços. Eu começaria com isso, a extinção do ICMS e a criação do IVA. Essa mudança já significa praticamente 90% da Reforma Tributária.

E o orçamento secreto, vai acabar?
Não tem como durar. É uma bomba-relógio que vai explodir na mão de alguém, é só esperar. Não se sustenta. Não é nem por bom senso, é uma questão de sobrevivência. O Congresso tem que rever. É como se a pessoa se viciasse em crack e achasse que não teria consequências. Como vamos começar um mandato novo, é bom aproveitar o início e mudar essa prática. Aliás, o próprio formato de emendas já é uma distorção. Tinha que voltar a ter emendas de bancadas, talvez por temas, mas direcionadas a uma programação nacional.

E o teto de gastos?
O Bolsonaro já explodiu o teto. Nós vamos ter que reformar. Mas, antes, temos que criar um piso social, isso é mais relevante nesse momento do que qualquer coisa. Por exemplo, estabelecer um plano para um ano, um governo da emergência para tirar as pessoas da fome. Depois, dá para “sair da caixinha orçamentária”. Ela impôs algumas regras como se fossem mantras, que não são reais. Isso acaba inibindo a criatividade. A Contribuição de Melhoria, por exemplo, já existe na legislação. Eu adotei esse formato de tributação quando fui prefeito. Vamos supor que eu queira fazer um trem de São Paulo para o Rio. Você cobra um porcentual dessa obra dos donos dos imóveis que são favorecidos. É uma saída que eu tenho reiterado para o presidente Lula.

É uma forma criativa, mas é viável para financiar as obras públicas em larga escala?
Você faz obras sem tirar dinheiro do Orçamento, e elas valorizam a propriedade privada. Se você vai fazer, por exemplo, o trem-bala ligando São Paulo ao Rio, uma obra de R$ 100 bilhões. Ou para a gente fazer ferrovias para interligar 10 ramais aos troncos principais do Pais, que custariam R$ 150 bilhões. A terra do fazendeiro onde eu passo vai valorizar.

Mas no governo da Dilma se gastou uma fortuna para fazer o trem-bala, e o dinheiro foi totalmente perdido, porque nem o trem saiu.
Mas aí é a absorção do Estado. No meu caso, a cobrança só pode ser feita depois da obra pronta.

O próprio Lula tem falado em fazer investimentos a partir de recursos públicos, a ênfase não é promover investimentos privados. O governo Lula vai se modernizar?
Se a gente estiver por lá, não existe convivência sem influência. O Alckmin é uma “água mole em pedra dura”. Ele tem aquela lógica dele, uma retórica meio ortodoxa, mas devagarzinho vai influenciando.

O governo Lula vai caminhar para o centro com o Alckmin, ao invés de seguir as agendas históricas do PT?
Acho que as convivências influenciam. Quando o Lula aceitou a minha sugestão e convidou o Alckmin para ser vice, ele estava sinalizando para o mercado, para o mundo, que estava disposto a ouvir outras ideias que não as do PT. Mesmo com o Alckmin, a gente não conseguiu acertar em tudo. As linhas de metrô têm dificuldades, boa parte é de recurso público puro. Ninguém avançou ainda no formato final, de PPP plus, que vai liberar todo o orçamento público para educação, saúde e segurança.

A polarização vai continuar depois das eleições?
Por pouco tempo, sim. Mas, graças a Deus, tem a Copa do Mundo, quando todo mundo vai estar de verde e amarelo. A gente precisa devolver a paz ao Brasil. O Brasil com S, um Brasil de sorriso, que sempre foi nossa marca. Esse Brasil com Z, zangado, não tem a ver com a gente.

O sr. já declarou que Bolsonaro vai precisar deixar o País em caso de derrota. O senhor acha que ele corre o risco de ir para a cadeia?
O que eu disse é que a chance de ele ter problemas jurídicos é muito grande. Ele implodiu todas as pontes. Não tem mais partido. O Lula, com tudo que passou, tinha um partido que foi leal a ele até o final. Deu sustentação financeira. Quem vai dar sustentação para o Bolsonaro? O velho da Havan já falou que vai embora. Os meninos [filhos do presidente] têm mandato, então sobrevivem. Mas ele terá muita dificuldade de ficar aqui morando no Brasil. Por outro lado, o presidente pode ser “chucro”, mas representa um pensamento que tem adeptos no mundo. Não tenho dúvidas de que terá convites de vários países para contar as histórias dele em ambientes onde será bem recebido. Aqui, tenho convicção de que terá muita visita de oficial de Justiça.

Em São Paulo, o sr. acha que vai dar Haddad e Tarcísio no segundo turno? Vai se reproduzir em nível estadual a polarização nacional?
O Haddad tem uma vaga garantida. Para a outra vaga a disputa é apertada, será uma questão de detalhes. Todos os nossos trackings dão Tarcísio à frente com uma margem de cinco, seis pontos. Mas o Rodrigo Garcia tem apoio de muitos prefeitos de cidades pequenas, que costumam influenciar no final. Qual o reduto do Tarcísio em São Paulo? Não tem um canto para ele se agarrar, apenas os evangélicos e bolsonaristas. Já o Rodrigo, para crescer, tem que tirar eleitores do Tarcísio. Ele errou ao ficar os primeiros 30 dias indo para cima do Haddad, achando que poderia tirar votos dele. Foi um erro estratégico que pode ter custado a não ida dele para o segundo turno.

O Haddad terá dificuldades no segundo turno?
Sim. A somatória dos dois adversários é maior do que os votos do Haddad. Aí vai pesar o que acontecerá no dia 2, se o Lula ganhar no primeiro turno. Nesse caso, vai vir aquela onda pragmática paulista, que é natural. Por que nós vamos abrir mão de ter um relacionamento tão privilegiado do presidente com o governador? Criar um conflito aqui em São Paulo com o Tarcísio, com o Rodrigo, a troco de quê? No segundo turno, haverá o peso do Alckmin e o meu. Acho que isso pode ser decisivo. E o peso do voto feminino é muito significativo. O Lula, aliás, se ganhar no primeiro turno, deve isso 100% às mulheres.

A sua esposa, Lúcia França, candidata a vice na chapa de Haddad, vai ter grande espaço em um eventual governo do PT?
Não é isso o que ela pretende. Ela é uma empresária, nunca aceitou disputar uma eleição. Mas ela falou que seria até candidata a síndica se fosse para ajudar a derrotar Bolsonaro. Acho que para um eventual segundo turno ela pode ser muito importante. Para o governo em si, aí depende muito de como o Haddad vai tocar o governo dele. O Lula gosta dele como se fosse um filho. Percebo isso. Ele é estudioso. Então, acho que ele vai se preparar para o passo seguinte, é evidente. Aí essa composição nossa – Alckmin, Lula, Haddad – pode levar a outros capítulos da mesma série.

O senhor planeja concorrer ao governo do estado no futuro?
Em alguma hora, sim.

Como o senhor vê esse cenário paulista de enfraquecimento do PSDB?
A eventual derrota do Rodrigo Garcia fará o PSDB virar pó. Cada prefeito vai procurar o seu caminho. Acho que o destino natural será o PSB, porque o Alckmin esta lá. Nós vamos jogar as boias necessárias para que eles possam ficar com a gente. Garantir as emendas, tem muito convênio assinado. O compromisso do Haddad é cumprir os compromissos que tenham sido feitos pelo governador, no formato em que estiverem.