“Criança! Não verás nenhum País como esse”
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(Ítalo Cerqueira, 10 anos, foi morto, no interior de um carro, pela Polícia Militar de São Paulo)

“Ama, criança, com fé e orgulho, a terra em que nasceste”
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(Waldick Gabriel Silva Chagas, 11 anos, foi morto com uma bala na nuca, no interior de um carro, pela Guarda Civil Metropolitana de São Paulo)

“Vê que vida há no chão, vê que vida há nos ninhos, que se balançam no ar…”
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(Jhonata Alves, 16 anos, foi morto pela Polícia Militar do Rio de Janeiro que confundiu com arma
o saco de pipocas que ele carregava)

“…Entre os ramos inquietos, vê que luz, que calor,
que multidão de insetos”
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(Robert Pedro da Silva Rosa, 15 anos, foi morto, no interior de um carro, pela Polícia Militar de São Paulo)

Olavo Bilac, me desculpa, você e seu poema “A Pátria”, talvez essas crianças até amassem o Brasil, a terra em que nasceram. Mas o Brasil não as amava não – e amor é troca. Amamos somente parte das crianças, amamos apenas as crianças das porções mais cheirosas das cidades, desamamos aquelas que nascem próximas a córregos, esgotos e monturos. Recorri a tantas interrogações no início desse texto, à moda do narrador Tristram Shandy na obra de três século atrás de Lawrence Sterne, porque as tuas exclamações, patriótico parnasiano Bilac, infelizmente não cabem mais em nosso Brasil. Ingenuamente cantaste (e isso dá para entender porque os tempos eram outros e se podia até afirmar “ora, direis ouvir estrelas”), ingenuamente exaltaste no Brasil a “multidão de insetos”. Quebra tua Lira e mata tua Musa, poeta, porque agora crianças são mortas como insetos – aliás, os insetos estão são e salvos infectando o País. Chega, Bilac, nenhuma criança ama o país se, para sobreviver, tiver de ficar à mercê do tráfico de drogas e à margem da lei. A outra opção é ela ver vidros de carros subindo eletricamente quando deles se aproxima nos semáforos, e o que mais rói o estômago vazio e depaupera a alma não é a esmola negada, mas, sim, o contato evitado, como a dizer: “sai, seu cheiro me incomoda”. Nunca fui menor infrator nem carente, mas acho que, ao levar um vidro blindado no focinho, eu me sentiria precocemente como o Mersault de Albert Camus em “L’Étranger”, a intuir o desprezo do meu país.

“Brasil, País do Futuro”
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Peço desculpa a você, Stefan Zweig, à sua obra e à sua memória, ainda mais devido ao seu trágico fim. Eu te coloco nessa história porque cansei do teu conceito de “Brasil, País do futuro”, quero um “Brasil, País do presente”. Nesse trópicos das “três raças tristes” de Bilac, o que mais se papagueia é que “as crianças de hoje são o futuro do País”. Só rindo. Vinte e nove crianças ou adolescentes são mortos diariamente no Brasil. O “país do futuro” anda dando voltas em caixão de zinco no carro do IML.