Em 1984, o movimento das “Diretas, Já” uniu o País nas ruas em nome da democracia. Políticos, estudantes, artistas, intelectuais e sindicalistas, exigiam o fim da ditadura e a construção de um Estado de Direito. Nas últimas semanas, parte da chamada esquerda, liderada pelo ex-presidente Lula, tentou se apropriar da ideia de “Diretas, Já” para tirar o foco da corrupção e das mazelas econômicas perpetradas no País durante os governos petistas. Desde a redemocratização, os brasileiros viveram o maior período de estabilidade política e aprenderam que as crises são superadas preservando-se as instituições e as regras constitucionais. Se as “Diretas, Já” de 1984 representaram um estágio de amadurecimento e de participação da sociedade civil nos rumos do País, as “Diretas,Já” de 2017 não passam de uma jabuticaba (fruta que só nasce no Brasil), produzida por meia dúzia de líderes flagrados institucionalizando a corrupção no Brasil e que agora se esperneiam na tentativa de se manterem impunes e com os privilégios obtidos a partir do loteamento que fizeram no estado. O casuismo ganhou respaldo popular, mas no Congresso alguns oportunistas tentaram animá-lo. Na quarta-feira 31 foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê eleições diretas para presidente e vice-presidente caso esses cargos fiquem vagos nos três primeiros anos de governo. Mas para essa medida ter validade, precisará ser aprovada em dois turnos no plenário do Senado e da Câmara, o que hoje é considerado improvável.

“Lula e o PT acham que esse Congresso não tem legitimidade para eleger indiretamente um presidente que conduza o País até as eleições de 2018, mas sustentam que esse mesmo Congresso deve mudar a Constituição para fazer diretas já. Isso não faz o menor sentido. É puro casuísmo para evitar a prisão do ex-presidente”, disse um dos senadores do PSDB. De fato, a manobra golpista é tão visível que, apesar de todo o desgaste e impopularidade do atual governo, a proposta não encontra apoio na sociedade. No domingo 28, nem mesmo a presença de artistas como Caetano Veloso e Milton Nascimento, ícones da música popular brasileira, foi suficiente para lotar as areias da Praia de Copacabana, no Rio. Em torno de 50 mil pessoas foram ao evento, boa parte carregando bandeiras do PT e das centrais sindicais ligadas ao partido. Um fracasso de público comparando-se os mais recentes movimentos populares. No ato que pediu o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, por exemplo, mais de um milhão de pessoas protestaram na avenida Paulista. Nas manifestações pedindo eleições diretas em 1984, mais de dois milhões de brasileiros tomaram as ruas do Rio e de São Paulo.

Oportunismo

Quem pede eleições diretas agora trama contra a normalidade constitucional. O artigo 81 da Constituição de 1988, formulada por parlamentares eleitos diretamente, prevê que se o presidente Temer deixar o poder terá que ser substituído num processo de eleições indiretas, pelo Congresso, para um mandato tampão de um ano e meio, até a realização das eleições diretas de 2018. Trata-se de uma situação bem distinta daquela vivida em 1984, quando se exigia a mudança de uma constituição elaborada pelos militares sem nenhum tipo de participação popular. “É claro que tanto Lula como seus principais aliados sabem que eleições diretas nesse momento é impossível”, observa o deputado Carlos Sampaio. (PSDB-SP). “O que eles querem na verdade é aproveitar o desgaste do presidente Temer para ofuscar a Lava Jato e até procurar evitar que o ex-presidente vá para a cadeia”.

O cientista político Antonio Lavareda entende que eleições diretas agora não será bom para o País. “Só é bom para o PT, que tem seu candidato liderando as pesquisas. Para o País não. Afinal, a Constituição não prevê agora. Não é bom para o Brasil ficar alterando a Constituição para atender interesses de A ou B. Temos que manter o ordenamento jurídico”, disse Lavareda.
Assim, se Temer deixar o poder, por renúncia, impeachment ou se vier a ser cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o texto legal diz que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), terá 30 dias para convocar as eleições indiretas. Vários candidatos já se apresentaram, mas nenhum nome ainda é consenso nacional. Caberá ao sucessor de Temer eleito pelo Congresso garantir as normas jurídicas até as eleições diretas de outubro do ano que vem. Eleição direta agora seria oportunismo, segundo o sociólogo Bolívar Lamounier. “Os partidos de esquerda só levantam a bandeira das diretas já porque estão sem discurso”, disse Lamounier. Sobram apenas fantasiosas narrativas

ABAIXO A DITADURA Em 1984, as Diretas Já reuniram mais de dois milhões nas ruas do Rio e São Paulo
ABAIXO A DITADURA Em 1984, as Diretas Já reuniram mais de dois milhões nas ruas do Rio e São Paulo (Crédito:Arquivo / AgÍncia O Globo)

Uma agenda golpista

• Manifestação pedindo diretas já para presidente, realizada no Rio no domingo 28, reuniu em torno de 50 mil pessoas. Foi promovida por parte da esquerda, que tenta ofuscar as investigações da Lava Jato e não empolgou.

• Em 1984, quando houve movimento vitorioso pelas Diretas Já, mais de dois milhões de pessoas foram às ruas em São Paulo e Rio. O País se uniu em torno de um projeto que pusesse fim a ditadura militar e restaurasse a democracia.

• Mudar a regra do jogo agora é golpe. O artigo 81 da Constituição, elaborada por representantes eleitos pelo povo, prevê que caso haja vacância no cargo no segundo biênio do mandato presidencial o novo presidente será escolhido de forma indireta, pelo Congresso. Nova eleição direta só em 2018, conforme estabelece a lei.

• Para se realizar eleições diretas para presidente agora, só mudando-se a Constituição, o que o Congresso e nem a sociedade desejam agora.