Após produzir somente desastres, Bolsonaro se refugia em protestos com seguidores fanáticos. Ao tentar desviar a atenção da sua performance miserável, ele também procura proteger sua família, escreve Philipp Lichterbeck.O presidente Jair Bolsonaro parou de governar há muito tempo. Em três anos, sua gestão inaugurou alguns projetos locais de infraestrutura e flexibilizou normas sobre armamentos, provocando um forte aumento das compras de armas em um país já notoriamente violento. Fora disso, Bolsonaro representa a destruição da floresta amazônica, a gestão criminosa da pandemia que deixou até agora quase 600 mil mortos, a polarização da sociedade e os ataques mais graves à democracia do Brasil desde a Constituição de 1988.

Mas o que faz alguém que não tem nada a mostrar além de desastres? Sua aprovação nas pesquisas está caindo, pois os brasileiros estão sentindo na pele que a pobreza está crescendo, que os preços estão aumentando e que o real vale cada vez menos. A resposta de Bolsonaro é: procurar desculpas, desviar a atenção, mentir e culpar os outros.

Bolsonaro havia anunciado, com antecedência, que esse dia, o Dia da Independência do Brasil, seria o dia decisivo para ele e seu governo – e, indiretamente, ameaçou dar um golpe. Se um número grande de pessoas comparecesse, ele disse, seria um sinal claro de apoio do povo. E seria também um voto de desconfiança no Supremo Tribunal Federal, contra o qual ele está em conflito pois alguns ministros supostamente não o deixariam governar. Ele teria então um mandato das ruas, na sua interpretação, para ignorar o Supremo e o Congresso.

Bolsonaro não somente abusou do Dia da Independência do Brasil, que pertence a todos os brasileiros, mas também submeteu o Brasil a um teste de estresse por razões egomaníacas. O fato de milhares de brasileiros terem ido às ruas nesse feriado para pedir um golpe é insuperável como má ironia, e mostra o delírio coletivo que tomou conta do Brasil.

Para Bolsonaro, todo esse circo se trata, principalmente, de imagens e aparências. Assim como as “motociatas” sem sentido que ele vem organizando nas cidades do país há semanas – é realmente preciso se perguntar o que o presidente do Brasil faz com o seu tempo – as manifestações desta terça também foram realizadas para mostrar o suposto grande apoio do povo a Bolsonaro. Com base nas fotos de Bolsonaro no meio de milhares de apoiadores, ele pode afirmar, por exemplo, que as pesquisas com resultados negativos para ele são falsas, e que seu governo só perderá as eleições no ano que vem se houver fraude eleitoral.

Também é possível imaginar que essas manifestações se tornaram uma certa necessidade emocional para Bolsonaro. Quem não preferiria ser celebrado constantemente por seus apoiadores em vez de ler documentos e conduzir negociações difíceis, como faz a maioria dos outros chefes de governo no mundo.

O que é marcante em tudo isso é a compreensão distorcida do bolsonarismo sobre a democracia. Esse movimento a interpreta não como um equilíbrio entre os três Poderes, mas como a autocracia de Bolsonaro, ao qual tanto o Legislativo quanto o Judiciário teriam que se submeter. O próprio Bolsonaro ameaçou os ministros no Dia da Independência, que eles teriam que jogar dentro das quatro linhas da Constituição ou algo aconteceria – embora seja ele mesmo quem repetidamente se coloca fora do campo do jogo. Mas não é seu papel, de forma alguma, dar ultimatos a nenhum outro órgão constitucional. Pelo contrário, é o inverso. O presidente é fiscalizado pelo Judiciário e pelo Congresso. Dessa forma, ainda que tarde, um processo de impeachment deveria ser iniciado contra o presidente, pois há motivos mais do que suficientes.

É difícil avaliar o quão forte ainda é o bolsonarismo. O que é certo é que aqueles que ainda o apoiam são fanáticos. Como se fosse uma oração, eles repetem que são a favor de Deus, da nação e da família tradicional (e contra o comunismo, onde quer que ele esteja escondido). No Dia da Independência também ouviu-se a tríade bolsonarista de forma incessante. Deus, família, nação. Mas tanto Deus como família e nação não são projetos políticos, mas conceitos em aberto. A tragédia do Brasil é que eles foram sequestrados pelo bolsonarismo, que os utiliza para dividir a sociedade.

Isso ajuda o presidente a desviar a atenção da sua péssima performance e que ele realize seu verdadeiro objetivo: manter o poder e a proteção contra processos judiciais. Não se deve esquecer que o gatilho para a raiva de Bolsonaro foi a ação do Supremo contra políticos e youtubers que estavam incitando a violência. Além disso, o Judiciário está investigando os filhos de Bolsonaro por anos de corrupção, e as provas contra eles são avassaladoras. O próprio Bolsonaro também provavelmente será alvo do Ministério Público em algum momento. Pode-se assumir que suas constantes ameaças contra o Supremo são também uma tentativa de proteger seu clã político do Judiciário.

O presidente disse, literalmente, que é o salvador do Brasil enviado por Deus. Um presidente capaz de tais ilusões é também capaz de explorar o Dia da Independência em seu próprio benefício pessoal. O Brasil só pode esperar que Bolsonaro não cause mais danos ao país durante o resto do seu mandato. Ou que seja deposto o mais rápido possível.

Philipp Lichterbeck é colunista e correspondente da DW no Brasil. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.