11/03/2021 - 17:13
Com volta do petista à cena política, comentaristas já falam em “batalha de extremos” entre dois “populistas”. Apesar de algumas semelhanças, não é possível negar as diferenças fundamentais, opina Philipp Lichterbeck.Comparações ajudam a um melhor entendimento do mundo. Podem ser usadas para determinar semelhanças e diferenças entre as coisas, que podem então ser melhor compreendidas em suas particularidades. Por exemplo, é possível comparar maçãs e peras. Ambas são pomos e crescem em árvores em climas temperados. Ambas são semelhantes em tamanho e são doces, embora maçãs ácidas também existam. As semelhanças acabam quando se trata de forma, cor e sabor específicos.
Embora nem todas as comparações sejam úteis – comparar uma maçã com um carro é de pouca utilidade –, elas são importantes para entender nosso mundo.
Infelizmente, a comparação analítica está fora de moda. Na discussão política hoje, a analogia prevalece, ou seja, a equiparação. O nazismo e o comunismo são frequentemente igualados em vez de comparados, o que significa que nenhum dos dois sistemas totalitários pode ser compreendido de maneira adequada. Tudo se torna o mesmo e se torna um mingau uniforme.
No Brasil, a tendência à analogia é particularmente pronunciada. O retorno de Lula da Silva ao cenário político mostra isso novamente com clareza. Esperando uma disputa pela presidência entre Jair Bolsonaro e Lula no próximo ano, os comentaristas já falam em uma batalha de extremos. “A extrema direita (Bolsonaro) compete com a extrema esquerda (Lula)”. Insinua-se que os dois senhores são na verdade farinha do mesmo saco. Ambos são “populistas”, diz-se – apequenando Lula e banalizando Bolsonaro.
“Escolha difícil”
É como ocorreu nas eleições de 2018. Na ocasião, o Estadão falava em uma “escolha muito difícil” entre o deputado Bolsonaro, que glorificava a violência, (“tem que matar 30 mil”, “vamos fuzilar a petralhada”, “ter filho gay é falta de porrada”, etc.) e o professor universitário, ex-ministro da Educação e esquerdista moderado Fernando Haddad.
A grande mídia do Brasil e grande parte do establishment erraram no cálculo. O plano era derrubar Dilma Rousseff para obter um governo neoliberal de centro-direita. Mas o tiro saiu pela culatra. O golpe constitucional contra Dilma havia aberto a caixa de Pandora, e quem saltou dela foi Bolsonaro. Em vez de escolher a variante democrática, a decisão foi a favor de um homem que esteve no Parlamento por 30 anos e não fez nada além de produzir tiradas de efeito, insultar outras pessoas e colocar seus filhos na lucrativa política brasileira. Para justificar essa decisão fatal, lançaram mão da falsa analogia. “Bolsonaro e PT são iguais, mas Bolsonaro merece uma chance.” Foi como oferecer o Brasil para um extremista experimentar.
Claramente, nada se aprendeu, apesar da catástrofe brasileira do coronavírus, com quase 300 mil mortos, que também pode ser atribuída ao maldoso presidente (“só se for na casa da tua mãe!”). Fingem que não há diferença entre a carreira de Lula, suas décadas de luta social e política, e a não exatamente notável carreira do capitão Bolsonaro, que por décadas empanturrou-se na gordura da política brasileira. Negam-se os avanços da área social e econômica no governo Lula e, ao mesmo tempo, fecham-se os olhos para as monstruosidades de Bolsonaro como, por exemplo, seu projeto armamentista ou suas fantasias totalitárias (“Se tudo tivesse que depender de mim, não seria esse o regime que nós estaríamos vivendo”).
“Um tem visão de país, ou outro enxerga só o umbigo”
Logo Rodrigo Maia, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, já reconheceu o absurdo dessa analogia. Ele tuitou: “Você não precisa gostar do Lula para entender a diferença dele para o Bolsonaro. Um tem visão de país; o outro só enxerga o próprio umbigo.”
Maia fez, assim, algo que se tornou raro. Em vez de igualar, ele comparou. Porque ao comparar Lula e Bolsonaro, é impossível dizer que os dois são farinha do mesmo saco.
No entanto, na análise – e essa é a beleza das comparações –, chegamos às semelhanças. Por exemplo, que a política ambiental do Bolsonaro é uma catástrofe, mas a do PT também foi devastadora (Belo Monte!). Ou que a política de drogas do PT colocou muitos jovens negros atrás das grades por muitos anos devido a pequenas quantidades de maconha. Por último, mas não menos importante, o PT também criou um clima de intolerância para com as vozes críticas mais à esquerda.
No plano pessoal, Lula e Bolsonaro são semelhantes na medida em que são incapazes de admitir erros. Ambos se consideram infalíveis, e Lula continua a fingir que não houve corrupção em seu governo. Um pedido de desculpas e uma promessa de fazer melhor seriam muito mais convincentes.
Apesar dessas semelhanças parciais, não podemos negar as diferenças fundamentais entre Lula e Bolsonaro, como estão fazendo agora muitos meios de comunicação. É como se afirmassem não haver diferença entre a lenda do Vasco Roberto Dinamite e Ribamar, considerado o pior atacante do Vasco de todos os tempos. Porque ambos usavam a mesma camisa. Eles são comparáveis, mas não são similares. Um fez muitos gols, o outro perdia chances de gol.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.