O Rio de Janeiro viveu um dia de terror nesta terça-feira (28), devido a uma megaoperação contra o narcotráfico, que deixou mais de 60 mortos. Mas esse tipo de estratégia armada nunca coibiu a ação dos grupos criminosos nas favelas, ressaltou em entrevista à AFP a especialista em crime organizado Carolina Grillo.
Famosa pelo samba e por suas praias, a cidade foi cenário hoje de uma grande operação da polícia contra o Comando Vermelho, a mais letal da sua história, repleta de confrontos entre as forças de segurança e as facções que dominam regiões densamente povoadas.
Autoridades do Rio de Janeiro insistem “há décadas em operações policiais espetaculares” que “são incapazes de conter a expansão territorial dos grupos armados”, advertiu Carolina, socióloga e coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense.
Pergunta: Como é o crime organizado no Rio de Janeiro em 2025? Resposta: O Comando Vermelho é a principal facção do tráfico de drogas e o grupo armado que mais cresceu nos últimos anos. Tem atuação nacional, mas é oriundo do Rio, onde ultrapassou recentemente as milícias [grupos parapoliciais] em expansão territorial, embora a hegemonia ainda esteja em disputa.
P: Qual foi o objetivo da megaoperação de hoje?
R: Atacar o considerado quartel-general do Comando Vermelho nos complexos de favelas do Alemão e da Penha, onde residem os “donos de morro”, lideranças locais do grupo que estão em liberdade. A maioria das lideranças do Comando Vermelho já está na prisão.
P: Como os moradores das comunidades veem esses grupos armados?
R: Não é igual em todos os territórios, mas, em geral, os moradores sofrem muito mais com o fogo cruzado entre traficantes e a polícia, ou com guerras de facções, do que com a própria convivência com esses grupos. As pessoas seguem suas rotinas relativamente em paz, exceto em momentos de guerra ou operações policiais.
P: Quais foram os resultados da estratégia contra o crime organizado nas últimas décadas?
R: A política de incursão armada em favelas e bairros periféricos só piorou as coisas. E os encarceramentos em massa só aumentam a influência das facções, porque controlam as prisões. Mas as operações com muitos mortos e presos costumam trazer retornos eleitorais, diante de uma população mal-informada, que acaba acreditando em uma estratégia ineficaz e cruel.
P: Há evidências desse fracasso?
R: O Comando Vermelho foi o único grupo que se expandiu de forma consistente nos últimos anos, apesar de ser o mais submetido a operações policiais. Nosso grupo de pesquisa fez testes de correlações que mostram que os períodos com mais operações policiais são os de maior intensidade criminosa, e não o contrário.
P: Qual seria a alternativa como política pública?
R: Além do horror praticado contra famílias pobres e majoritariamente negras, é irracional pensar que matando jovens envolvidos com o crime acaba-se com o crime, quando existe uma oferta de mão de obra inesgotável para o trabalho criminoso. É necessário um combate mais qualificado e inteligente aos grupos criminosos, como, por exemplo, atacando suas bases financeiras ou desmantelando suas fábricas de armamento.