O Brasil, primeiro exportador mundial de carne bovina e avícola, tentava tranquilizar os mercados nesta sexta-feira, após desmantelar uma rede que vendia carne adulterada, inclusive com produtos cancerígenos, envolvendo os maiores frigoríficos do país.

O escândalo atinge em cheio outro setor-chave da economia brasileira, depois do abalo sofrido pelas grandes construtoras envolvidas no megaesquema de propinas do Petrolão.

“Os funcionários públicos (…), mediante o recebimento de propinas, facilitavam a produção de alimentos adulterados, emitindo certificados sanitários sem realizar qualquer inspeção”, indica um comunicado da Polícia Federal.

Uma parte desses subornos era revertida para partidos políticos, segundo o comissário Mauricio Moscardi Grillo, que identificou entre os beneficiários o PMDB, do presidente Michel Temer, e seu aliado PP, os dois envolvidos no Petrolão.

A operação incluiu 27 ordens de prisão preventiva, levou ao afastamento de três funcionários públicos e ao fechamento de três frigoríficos, informaram a PF e o Ministério da Agricultura.

Além disso, há 21 estabelecimentos sob suspeita.

Uma das unidades fechadas se dedicava ao abate de fragos e as outras duas fabricavam mortadelas e salsichas, afirmou o secretário executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki.

Novacki admitiu preocupação com repercussão no exterior, mas ressaltou que as denúncias se referem a casos isolados.

Em um supermercado no Rio de Janeiro, muitos clientes expressavam sua indignação.

“Não vou comprar mais carne enquanto esse problema durar”, afirmava Isaldina Rodrigues Monteiro, uma empregada doméstica de 57 anos.

“A gente luta, paga os impostos, para consumir um produto estragado. É lamentável”, declarou Sílvia Farias, uma professora de 51 anos.

Queda na bolsa

A Justiça também determinou o bloqueio de um bilhão de reais das empresas investigadas, entre as quais estão as líderes do setor, JBS – dona das marcas Big Frango e Seara Alimentos – e BRF – dona da Sadia e Perdigão.

As ações dos grupos envolvidos desabaram durante a tarde na bolsa de São Paulo. A JBS caiu 10,59% e a BRF 7,25%. O índice Ibovespa retrocedeu 2,39%.

A JBS indicou que três de suas unidades de produção foram revistadas, mas destacou que “não houve qualquer medida judicial contra seus executivos” e que a sede de São Paulo não foi revistada.

A BRF afirmou, por sua vez, que “está colaborando com as autoridades” e que seus produtos “não representam qualquer risco para os consumidores, no Brasil e nem nos mais de 150 países em que está presente”.

“Cancerígenos” na merenda escolar

Nos frigoríficos de pequeno porte foi detectado o uso de “produtos cancerígenos para maquiar o aspecto do produto avariado, o odor”, afirmou o comissário Mauricio Moscardi Grillo em coletiva de imprensa em Curitiba.

“Inúmeras crianças de escolas públicas do Paraná estão se alimentando de merendas compostas por produtos vencidos, estragados e muitas vezes até cancerígenos para atender o interesse econômico desta poderosa organização criminosa”, acrescentou.

Também foi identificada a presença de salmonela em produtos que foram colocados à venda através do pagamento de propina.

Um contêiner da BRF foi bloqueado em um porto da Itália, quando detectada a presença dessa bactéria, informou, sem maiores detalhes.

A Confederação da Agricultura (CNA) pediu que sejam investigadas com rigor as acusações e mostrou preocupação em relação ao impacto do escândalo.

“Não é justo que a imagem [dos produtores rurais] seja manchada pela ação irresponsável e criminosa de alguns”, afirmou.

A operação, a maior da história da PF, foi apelidada “Carne Fraca” em referência à expressão popular que “demonstra a fragilidade moral dos agentes públicos que deveriam velar pela qualidade dos alimentos”, explica o comunicado.