O salário dos trabalhadores deveria refletir sua contribuição à sociedade, segundo um relatório da ONU, que pede aumentos salariais para aqueles que desempenham funções em áreas essenciais e que limitem os de setores industriais, como o comércio financeiro, os combustíveis fósseis ou a indústria do tabaco.

Um em cada cinco trabalhadores no mundo vive em situação de pobreza, indica o relatório apresentado nesta sexta-feira (20) pelo relator especial da ONU para a extrema pobreza e os direitos humanos, Olivier De Schutter, na Assembleia Geral da organização, em Nova York.

O relatório, intitulado “Os trabalhadores pobres: um enfoque de direitos humanos em matéria salarial”, recorda que pela primeira vez ao longo do século os salários caíram em 2022 uma média de 0,9% no mundo, sem conseguir acompanhar o ritmo da inflação, enquanto os lucros empresariais aumentaram.

“É absurdo que os trabalhos mais valiosos para os demais, especialmente para as pessoas em situação de pobreza, como os cuidados ligados à saúde, educação ou atenção sanitária, estejam entre os mais mal pagos, enquanto outros cobram tão bem pelo dano social e ambiental que geram”, indica o relator da ONU.

A globalização e a automatização precarizaram a situação dos trabalhadores menos qualificados nos países ricos, e para criar empregos, o trabalho se flexibilizou, enquanto nos países em desenvolvimento, os salários diminuem para conseguir custos mais competitivos, destaca o estudo.

A isso se soma a denominada economia gig – formato de trabalho em que empresas oferecem trabalhos pontuais a falsos autônomos – e o enfraquecimento dos direitos sindicais nos últimos 30 anos.

“Os governos estão obcecados com a criação de postos de trabalho que se esquecem que esses devem ser decentes e proteger os trabalhadores da pobreza”, lamentou De Schutter em conversa por telefone com a AFP.

Por isso, ele propôs que se “elaborem listas das profissões mais valiosas do ponto de vista social e retribuí-las em consequência disso, uma vez que determinem as profissões nas quais deveria se limitar a retribuição para mitigar seus efeitos secundários nocivos”, citando como exemplo o comércio financeiro, a exploração de combustíveis fósseis, os pesticidas, os plásticos e a publicidade.

“No mercado de trabalho atual, cuidar dos demais e do planeta não compensa”, indicou De Schutter, que “sonha com uma sociedade onde um enfermeiro, uma pessoa que cuida dos idosos, ou um professor ganhem tanto como um banqueiro ou como as pessoas que constroem grandes mansões para os ricos”.

– Precarização –

A precarização do trabalho é uma das principais causas da pobreza das pessoas com emprego nos países industrializados. Nos Estados Unidos, em 2020, 10,2% dos que possuem trabalho de tempo parcial eram considerados trabalhadores pobres, ante apenas 2,6% dos empregados de tempo integral.

Mas isso ocorre também no mundo em desenvolvimento. Em países como Bangladesh e Índia, quase dois terços do emprego assalariado é temporário.

O relatório dedica especial atenção aos trabalhadores de plataformas digitais que conectam o trabalhador ao cliente, gerando uma “economia de ocupações transitórias”, que pagam pelo serviço prestado.

Apesar de 70% das receitas geradas por esses novos empregadores se concentrarem nos Estados Unidos e China, na União Europeia se multiplicaram por seis entre 2015 e 2020, dando emprego a mais de 28 milhões de pessoas, número que se prevê que chegue aos 43 milhões em 2025.

Nessa nova economia da precarização, as mulheres são as mais prejudicadas, pois estão sub-representadas nos empregos de tempo parcial, mantendo a diferença salarial em todos os setores, lamentou De Schutter.

“Para 712 milhões de pessoas, ter um emprego não garante uma vida digna para elas nem para suas famílias”, também indica o documento.

Destaca-se que não se pode desenvolver um país nem manter a competitividade “mantendo a população na pobreza” por isso que insta os governos a “fixar salários mínimos que protejam os trabalhadores de cair na pobreza e na exclusão social”, incluindo os do setor informal e os imigrantes, frequentemente vítimas de abusos.

Um salário digno deve corresponder a pelo menos 60% do salário médio do país, conclui o estudo.

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