O secretário-geral da ONU, António Guterres, acusou, nesta quarta-feira (18), as grandes empresas de petróleo de terem espalhado uma “grande mentira” sobre seu papel no aquecimento global.

Dirigindo-se ao público de empresários e políticos reunidos no Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), em Davos (Suíça), Guterres estabeleceu um paralelo entre as estratégias das petrolíferas e as dos fabricantes de cigarros, que se viram afetados pelas enormes questões a respeito dos efeitos do tabaco.

“Alguns produtores de combustíveis fósseis estavam plenamente conscientes na década de 1970 de que seu principal produto iria queimar o planeta. Mas, como a indústria do tabaco, eles subestimaram sua própria ciência. Alguns gigantes do petróleo venderam a grande mentira”, disse o secretário-geral.

Um estudo publicado na revista Science na semana passada revelou que a gigante americana ExxonMobil desconsiderou as descobertas de seus próprios cientistas sobre o papel dos combustíveis fósseis na mudança climática.

“Assim como a indústria do tabaco, os responsáveis devem ser punidos”, acrescentou, referindo-se aos US$ 246 bilhões que as empresas de tabaco dos EUA tiveram de aceitar pagar em 1998, durante um período de 25 anos, para cobrir despesas no tratamento de fumantes afetados pelos efeitos nocivos do cigarro.

O estudo sobre a ExxonMobil mostrou que os cientistas da empresa haviam modelado e previsto o aquecimento global “com uma precisão chocante”. No entanto, a empresa “passou as décadas seguintes negando essa mesma ciência climática”. A ExxonMobil é alvo de vários processos nos Estados Unidos.

Na semana passada, um porta-voz da ExxonMobil alegou que essa questão surgiu diversas vezes nos últimos anos e que, em cada caso, a resposta da empresa foi que “aqueles que falam sobre como a ‘Exxon sabia’ estão errados em suas conclusões”.

– ‘Vício em combustíveis fósseis’ –

Em seu discurso, Guterres instou o mundo a “acabar com o vício em combustíveis fósseis” e alertou que a meta de limitar o aquecimento a 1,5°C com relação à era pré-industrial “está se evaporando”.

“Os produtores de combustíveis fósseis e aqueles que os apoiam continuam lutando para aumentar a produção, sabendo que seu modelo econômico é incompatível com a sobrevivência da humanidade”, criticou.

Suas declarações foram bem recebidas pela Iniciativa do Tratado de Não Proliferação dos Combustíveis Fósseis, promovida por países insulares do Pacífico, como Tuvalu e Vanuatu.

“Temos que pôr fim às mentiras das grandes companhias petrolíferas, de gás e de carbono e começar a agir coletivamente para eliminá-las”, afirmou o diretor-executivo da iniciativa, Alex Rafalowicz.

O enviado especial dos Estados Unidos para o clima, John Kerry, comentou que não se trata tanto de encontrar “pontos comuns ou diferenças” entre as empresas de petróleo e tabaco, mas de “empresas do setor de petróleo e gás se juntarem a outros grupos que exercem uma atividade crítica […] para resolver a crise climática”.

Já Al Gore, ativista ambiental e ex-vice-presidente dos EUA, também em Davos, foi mais contundente contra “as indústrias de petróleo, gás e carvão que lutam com unhas e dentes contra qualquer legislação […] a favor do clima” e usam “sua influência política e suas fortunas para impedir avanços”.

“Precisamos deixar o petróleo debaixo da terra”, defendeu em entrevista à AFP a ativista indígena equatoriana Helena Gualinga, esta semana em Davos.

O secetário-geral da ONU pediu aos líderes empresariais que apresentem, até o fim deste ano, planos “críveis e transparentes” sobre como atingir zero emissão líquida.

Especialistas das Nações Unidas publicaram recomendações na cúpula do clima no Egito, em novembro, segundo as quais as empresas não podem afirmar que têm emissões zeradas caso invistam ainda em combustíveis fósseis, provoquem desmatamento ou compensem as emissões com créditos de carbono em vez de reduzi-las.

Guterres criticou os compromissos climáticos “duvidosos” de muitas empresas em sua meta de zero emissão de carbono, o que “engana consumidores, investidores e reguladores com informações falsas”.

Na terça-feira, um estudo realizado por nove ONGs denunciou justamente que as grandes instituições financeiras integrantes de alianças que dizem querer alcançar a neutralidade de carbono continuam financiando a exploração de petróleo e gás.