A vida na pequena Eldorado, onde pescava com o pai Percy Geraldo ficou apenas para as folgas e férias (Crédito: Marco Ankosqui)

O recreio da escola Professora Maria Aparecida Viana Muniz, em Eldorado, no interior de São Paulo, há cinqüenta anos, permanece vivo na memória de muitos estudantes daquela época. Não é para menos. Entre uma mordida e outra no sanduíche levado na lancheira, o então garoto Jair Messias Bolsonaro afirmou para quem quisesse ouvir: “Vou ser presidente do Brasil”. Uma das testemunhas foi Lurdinha, a professora Maria de Lourdes Santana. Vadico, atual prefeito da pacata cidade Durval Adélio de Morais (PR), coleguinha de escola de Jair, hoje se diverte ao lembrar da profecia que se cumpriu. Na ocasião, a “promessa de campanha” ensejou gostosas gargalhadas, incluindo do próprio Bolsonaro, que à época estava mais preocupado em jogar bola, pescar e colher palmito nas matas – o que lhe rendeu o apelido de Palmitão, dada sua altura, magreza e pele clara. Não era para ser um vaticínio. Apenas uma maneira de reafirmar sua liderança sobre os colegas, já que era ele quem organizava os jogos e brincadeiras. Anos depois, cadete da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Jair apareceu em casa com ares de chateado e vontade de desistir. Seu pai, o protético Percy Geraldo Bolsonaro, apelou: “Você vai voltar, se formar e ainda vai ser o presidente”. Estava escrito. Como dizia Tancredo, Presidência é destino. E ele sorriu para Jair Messias Bolsonaro. Cinco décadas depois, aos 63 anos, o garoto de Eldorado chegou lá.

Bolsonaro será o primeiro presidente descendente de imigrantes italianos do século 19. Seu bisavô, Vittorio Bolzonaro, veio com 10 anos para o Brasil, abrasilerando o sobrenome. Os registros apontam que Vittorio nasceu em Anguillara, cidadezinha da Pádua, norte da Itália. Seu filho, Ângelo, casou com uma descendente de alemães. Percy Geraldo, filho de ambos, se tornou marido de Olinda Bonturi, cuja avó era natural da Toscana. A ligação familiar com a Itália o fez torcer pelo Palmeiras, como a maioria dos parentes. Apesar de a família com seis filhos ter vivido em outras cidades paulistas, como Glicério e Campinas (onde Jair teve o nascimento registrado), foi em Eldorado que o pai quis ficar até o apagar da chama, em 1995.

Na caça de Lamarca
O interesse de Jair pela caserna surgiu ainda na adolescência em Eldorado. A presença de tropas combatendo os guerrilheiros do capitão dissidente Carlos Lamarca, em 1970, no Vale do Ribeira foi marcante. Com 15 anos, ele outros garotos ficaram fascinados com os soldados, que reuniam os moradores para obter informações sobre trilhas, grutas, abrigos e eventual circulação de gente estranha naquela vasta região de matas. Bolsonaro e outros garotos ajudaram os soldados em pistas sobre Lamarca, mas o papel de guias pelas florestas ficou para mateiros mais experientes. O certo é que a proximidade com os soldados levou Jair, aos 18 anos, a estudar na Escola Preparatória de Cadetes. Ele voltava a Eldorado apenas nas férias para ver pais e irmãos.

Hoje, na cidadezinha à qual chegou criança, em 1966, há esperança de dias melhores, a partir da ascensão do filho de Geraldo Dentista ao cargo máximo do País. Eldorado fica no Vale do Ribeira, a região mais pobre de São Paulo. Com quase 15 mil habitantes, sem indústrias e uma economia baseada na monocultura da banana, a prefeitura possui um orçamento apertado, de R$ 42 milhões. Sem os repasses federais, nem a folha do funcionalismo fecharia. A região engloba vários componentes que o próprio Bolsonaro atribui como fatores de atraso: 65% do território é composto por Mata Atlântica, com áreas preservadas. Há também 28 comunidades quilombolas e centenas de indígenas. Todos muito pobres. Nas urnas, os eleitores de Eldorado lhe deram 54,44% dos votos no segundo turno, proporcional ao índice nacional. Mas, quando o filho à casa tornar, em breve, certamente irá concentrar 100% das atenções.


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