ABANDONO Presidente preferiu descansar na praia em SC do que visitar áreas das cheias na BA (Crédito:Raphael Muller)

Há algo de podre no reino da Dinamarca, diria Willian Shakespeare em Hamlet, mas essa constatação pode se aplicar também ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). No final do ano passado, a pasta recebeu R$ 4,3 bilhões em emendas de relator destinadas por parlamentares às suas bases eleitorais, as famigeradas emendas do “orçamento secreto”. Dois meses depois, o ministro Rogério Marinho informa à Casa Civil da Presidência da República que não tem recursos para executar uma série de ações em sua área de atuação, como obras de contenção e amortecimento dos efeitos das cheias e inundações, que são consideradas prioritárias. Essa contradição causou estranhamento. Afinal, onde o ministério colocou os recursos bilionários?
A nota técnica encaminhada à Presidência da República e ao Ministério da Economia informa que o MDR não tem verbas suficientes e que várias ações nesse setor terão que ser paralisadas. O valor que a pasta diz precisar de forma urgente para atender as demandas supera R$ 10 bilhões, ou seja, ainda faltam R$ 6 bilhões. A verba das emendas do relator está estimada em R$ 16,5 bilhões. Desse montante, o Ministério da Saúde ficou com R$ 8,2 bilhões, seguido pelo MDR, que abocanhou R$ 4,3 bilhões. Os outros R$ 4 bilhões restantes foram distribuídos entre os demais ministérios.

Fora as emendas de relator, a pasta liderada por Rogério Marinho ainda conta com mais R$ 3,7 bilhões no orçamento que podem ser usados como o governo bem entender. E mesmo assim, o secretário-executivo substituto do MDR, Helder Melillo Lopes, em ofício, alertou para o fato de que “a situação atual coloca as políticas públicas deste ministério em sério risco”, e que entre os possíveis impactos, “teríamos a paralisação das obras de contenção ou amortecimento de cheias e inundações e para contenção de erosões marinhas e fluviais”.

E esse alerta ocorre pouco tempo depois de o País ter sido palco de tragédias causadas pelas chuvas que arrasaram cidades do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Bahia, com centenas de mortos e desabrigados. Para Ricardo Ismael, cientista político e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, essa alegada falta de verbas do ministério tem alguns aspectos que chamam a atenção. “O MDR não é um ministério com muita força dentro do orçamento, porém, tem uma característica de atender políticos mais clientelistas e provavelmente por isso é alvo dessas emendas orçamentárias sem transparência. É um ministério muito cobiçado pelos políticos para poder formar uma base no Congresso. Sempre foi ocupado por políticos”, diz Ismael.

Em sua análise, Ismael acha que a alocação desse dinheiro deveria ser melhor planejada, mas com a fragmentação das emendas fica difícil acreditar que o governo vá enfrentar os problemas de infraestrutura urbana no País. “Quanto ao orçamento secreto, é muito cômodo porque não há uma transparência e fica praticamente impossível saber onde aquele dinheiro está sendo investido. E é esse excesso de emendas que serve para garantir a reeleição”, explica.

TRAGÉDIA anunciada Em Petrópolis, o problema se repete por falta de obras de prevenção (Crédito:FABIO TEIXEIRA)

Parlamentares ouvidos por ISTOÉ a respeito do assunto têm opiniões diversas. Para Carlos Portinho (RJ), líder do PL no Senado, mesmo partido do presidente, todos esses recursos não têm nada de secretos e essas verbas liberadas aos parlamentares são de suma importância para que sejam aplicadas nas suas necessidades reais. “Só para Petrópolis, eu encaminhei nesse um ano e meio de mandato mais de R$ 3 milhões, sendo que R$ 1 milhão foi só para a Saúde, que entrou em boa hora, justamente por causa da tragédia das enchentes”, disse Portinho. Já para o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) a informação de que o MDR não tem verbas para executar ações preventivas básicas para evitar desastres climáticos é absurda.

Segundo o MDR, nas últimas semanas foram registradas solicitações de recursos para a reconstrução de áreas em 150 municípios de 11 estados fortemente atingidos pelas cheias dos primeiros meses do ano (Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraná e Rio de Janeiro). Resta saber se o governo atenderá as demandas ou se vai preferir usar os recursos do ministério para atingir objetivos meramente eleitoreiros. Como se sabe, o ministro Rogério Marinho deverá ser candidato a governador ou a senador pelo Rio Grande do Norte, e poderá destinar os recursos para promover sua candidatura, como já vem fazendo há alguns meses.