"Onda rosa" recua e ultradireita avança na América Latina

"Onda rosa" recua e ultradireita avança na América Latina

"Kast,Com a vitória de Kast, um admirador de Pinochet, Chile é o país mais recente da região a ser governado pela ultradireita. Para especialistas, neste contexto, Brasil é exemplo para avanços antidemocráticos.O presidente eleito do Chile , José Antonio Kast , será o primeiro chefe de Est ado desde a redemocratização do país, em 1990, a jamais esconder sua admiração pelo ditador Augusto Pinochet . "Se ele estivesse vivo, votaria em mim", chegou a declarar Kast em 2017, em sua primeira tentativa de chegar a La Moneda, a sede do governo chileno.

Para mais de 7,2 milhões de eleitores, essa posição política não parece ter sido um problema: jamais um candidato à presidência havia sido eleito com tantos votos. O voto é obrigatório no Chile, e 15,7 milhões de cidadãos estavam aptos a votar.

Kast assumirá o cargo em 11 de março de 2026. Filho de um membro do Partido Nazista e ex-oficial da Wehrmacht (Forças Armadas da Alemanha nazista), Kast é um católico fervoroso que se opõe ao aborto, ao divórcio e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e um linha-dura absoluto em relação à imigração.

O cientista político chileno Cristóbal Roviro Kaltwasser, especializado na extrema direita chilena, diz que eleição de Kast não é uma surpresa, pois a agenda política no Chile mudou completamente. "Seis anos atrás, durante os protestos em massa, a desigualdade social, a saúde e a educação estavam no topo da agenda, o que levou à eleição do esquerdista Gabriel Boric dois anos depois. Agora as questões são insegurança, criminalidade e imigração." Assim, Kast se tornou uma opção atraente para muitos chilenos.

Avanço da ultradireita na América Latina

Com promessas de campanha como a construção de um muro na fronteira com o Peru, a deportação de 300 mil imigrantes ilegais e a construção de novas prisões, o "messias da direita chilena", como é chamado numa biografia, obteve grande apoio entre os eleitores do país.

Roviro Kaltwasser diz ver Kast dentro de uma tendência mundial de avanço de políticos da ultradireita. "A reação global começou na Europa, depois se espalhou para os Estados Unidos com o presidente Donald Trump e agora chegou à América Latina com força total."

Segundo o cientista político, o que une todos esses políticos da ultradireita é o seu radicalismo e, ao mesmo tempo, a sua relação ambivalente e problemática com o sistema democrático.

Ele acrescenta que a guinada política à direita não é mais impulsionada apenas por personalidades, como o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro . "Bolsonaro pode não ser mais elegível, mas o bolsonarismo veio para ficar."

O que une e separa Kast, Milei e Bukele

Não surpreende, portanto, que presidente ultralibertário da Argentina , Javier Milei , tenha sido um dos primeiros a parabenizar "seu amigo" Kast. "Um passo a mais da nossa região em defesa da vida, da liberdade e da propriedade privada", declarou Milei, que expressou satisfação com a colaboração "para nos libertarmos do jugo opressor do socialismo do século 21".

O sociólogo argentino Pablo Semán destaca, porém, algumas diferenças entre os novos nomes da ultradireita na América Latina, como Kast, Milei e o o "ditador mais cool do mundo ", como o presidente autoritário de El Salvador , Nayib Bukele , ironicamente denomina a si mesmo.

"Apesar de todos estarem bem à direita, cada um enfatizou questões políticas e econômicas diferentes em suas campanhas. Kast focou inteiramente na imigração, Bukele na segurança e Milei conquistou votos com a inflação", observa Semán.

Um ponto em comum é o grande sucesso entre os eleitores jovens. "Esta geração tem certeza de que sua vida será pior do que as de seus pais. E a esquerda não tem respostas para isso."

"Onda rosa" perde força

O sociólogo argentino acompanhou meticulosamente a ascensão de Milei ao poder e escreveu um livro sobre o assunto. Ele defende a tese de que a "onda rosa ", que começou com Hugo Chávez na Venezuela , no fim da década de 1990, e prosseguiu com a chegada ao poder de muitos políticos de esquerda, progressistas e antineoliberais na América Latina, arrefeceu em parte devido aos erros cometidos por esses governantes, que negligenciaram questões estruturais na América Latina, como combate à corrupção, segurança e crescimento econômico.

"Mas a principal razão para o fim da 'onda rosa' é que a sociedade e o Estado se distanciaram cada vez mais nos últimos anos. A influência do mercado na sociedade nunca foi tão forte, enquanto a influência do Estado nunca foi tão pequena. Ao mesmo tempo espera-se do Estado que resolva problemas que ele não consegue mais resolver", afirma Semán.

Por isso que Milei ascendeu ao status de símbolo global com sua motosserra e a tese radical de acabar com o Estado, argumenta.

Triunfos também na Bolívia, Equador e Honduras

Toda a América Latina se inclina cada vez mais para a direita: na Bolívia , o democrata-cristão Rodrigo Paz pôs fim a 20 anos de um governo socialista moldado pelo primeiro presidente indígena do país, Evo Morales. No Equador , o populista de direita Daniel Noboa tenta apagar a memória da "revolução cidadã" do ex-presidente Rafael Correa. E a esquerda também foi severamente punida em Honduras: numa eleição presidencial marcada pelas denúncias de fraude , o candidato de direita Nasry Asfura, apoiado por Trump, lidera a apuração.

Roviro Kaltwasser ressalva, porém, que o pêndulo pode oscilar no sentido oposto: os novos governos de ultradireita precisam apresentar resultados igualmente expressivos. Se a esquerda quiser voltar ao poder na América Latina, deve se mirar no Brasil, que mostrou ao mundo a força de suas instituições democráticas, diz.

"Essas instituições funcionaram quando o ex-presidente Bolsonaro se recusou a aceitar os resultados das eleições e tentou dar um golpe de Estado, pelo qual foi condenado a 27 anos de prisão. E aqui se vê a diferença em relação aos EUA, onde um desenvolvimento semelhante ocorreu com Trump. O Brasil demonstrou sua força institucional, enquanto os Estados Unidos mostraram fragilidade."