A história dos esportes nos ensina que o surfe surgiu na Polinésia no início do século XX como um meio de transporte. À época, os pescadores usavam canoas tribais para fazer o traslados de tripulações das grandes navegações para a terra firme. Buscando dar mais agilidade à locomoção, as canoas deram lugar às enormes pranchas de madeiras. A iniciativa deu certo. Não demorou muito e o meio de transporte foi incorporado por rituais religiosos e culturais – quando era permitido aos reis e rainhas o privilégio de se movimentarem em pé nessas embarcações especiais. Por volta de 1910, esse tipo de locomoção ganhou status de esporte, batizado no Havaí de “He’E” – deslizar nas ondas. Confeccionadas em madeira balsa, o equipamento esportivo pesava mais de 50 quilos e seis metros de cumprimento. Para se ter uma ideia da evolução do produto, hoje as pranchas profissionais medem cerca de 2,5m e pesam por volta de dois quilos.

Comparações à parte, o certo é que o sucesso do esporte atiçou os olhares preconceituosos dos missionários europeus que proibiram a pratica, por considerarem imoral competidores seminus nas disputas. Hoje, quase cem anos após o surgimento do esporte, o surfe chega pela primeira vez aos Jogos Olímpicos. A estreia será na Olimpíada de Tóquio do ano que vem, e a prática esportiva surge com a missão de rejuvenescer as competições olímpicas assim como o beisebol/softbol, o caratê, a escalada e o skate. “A intenção é que o surfe não vise apenas a performance, mas leve seu estilo de vida para a cena olímpica”, diz o Carlos Burle, um dos mais renomados surfistas brasileiros de ondas gigantes. “Tenho certeza que será muito bom para o esporte”, finaliza o bicampeão mundial de ondas grandes na remada.

Preocupados com possíveis intempéries no período das competições, os japoneses até pensaram em construir uma piscina com ondas artificiais gigantes, como a do norte-americano Kelly Slater, mas mudaram de ideia e vão realizar as disputas do surfe no litoral de Chiba, a 40 quilômetros de Tóquio. Para o brasileiro bicampeão mundial de surfe, Ricardo Medina, a questão principal é confiar nas ondas. “Numa Olimpíada precisa ter dia e hora marcada para a competição, então tem de ter onda naquele horário, não é igual ao Circuito Mundial que a gente tem uma janela de 12 dias e escolhe os três melhores para fazer a etapa. É um pouco mais complicado”, entende.

“A praia de Chiba tem ondas que, normalmente, tem características parecidas com as ondas que os brasileiros estão acostumados, então, vejo com bons olhos a nossa participação no evento”, atesta Carlos Burle. O surfista não está blefando. O Brasil vai desembarcar no Japão com uma chance imensa de buscar o ouro e, não é impossível, inclusive, conquistar também o segundo lugar mais alto do pódio.

Para os Jogos Olímpicos de Tóquio, estão em disputa 40 vagas, sendo 20 homens e 20 mulheres – quatro desses lugares já estão garantidos ao Japão por ser o país-sede do evento. Os lugares restantes serão distribuídos de acordo com a colocação no ranking da Liga Mundial de Surfe (WSL, na sigla em inglês) de 2019 (dez primeiros homens e oito primeiras mulheres) e da ISA World Surfing Games em 2020 (quatro para o masculino e seis para o feminino), as duas organizações mundiais do esporte. Ao certo, as vagas serão divididas pelos cinco continentes, com o limite de dois atletas, do masculino e feminino, por país.

O critério de classificação para os Jogos Olímpicos do Japão de limitar a presença de dois atletas de cada gênero por pais transformou a disputa entre os brasileiros uma batalha à parte. Na verdade, tornou-se um problema, um bom problema. Hoje, o Brasil tem três atletas entre os quatro melhores do mundo, segundo o ranking mundial da WSL. Como a regra geral é que seja no máximo dois atletas por país, estrelas brasileiras ficarão fora da disputa. Na prática, se a definição da vaga fosse hoje, o paulista bicampeão mundial, Gabriel Medina, ficaria de fora da Olimpíada, já que os brasileiros Filipe Toledo e Ítalo Ferreira estão à frente de Medina no ranking. “Todo mundo quer essa vaga e vão lutar por isso. Agora é trabalhar e focar em etapa por etapa”, diz Medina. “O que está acontecendo agora é muito bom para o esporte”, defende Filipe.

Além de Medina e Filipe, outros dez atletas disputam as duas vagas no masculino no circuito mundial. No feminino, duas brasileiras (Tatiana Weston-Webb e Silvana Lima) estão entre as melhores do circuito mundial. “Sempre foi um sonho meu competir na Olimpíada”, diz Tati, que está em nono no ranking mundial. “Estou bem orgulhosa de representar o Brasil”, conclui ela, que é de Porto Alegre e mora no Havaí desde criança.