Bianca Zaramella e Gisele Vitória Foto Reprodução Vanity Fair Refestelado no sofá de capa branca na varanda da casa da amiga Eliana Tranchesi, no Morumbi, Michael Roberts mostrava suas últimas fotos no Ipad para a empresária, ex-dona e atual executiva da Daslu, sem perder de vista algo precioso para ele: uma bandeja de prata lotada de croquetes salpicados de pimenta rosa, trazida a cada dez minutos pela copeira. ?I love croquetes!?, sorria. O aplaudido editor de estilo da revista Vanity Fair, residente em Londres, estava lá para almoçar a famosa feijoada de sábado de Eliana e planejar um editorial de moda inspirado nas divas do cinema italiano, que clicará no fim de março para a próxima revista da marca, a qual prestigia há anos. ?Este é o ano da Itália no Brasil!?, comentou ele, arredondando a ideia da empresária de homenagear atrizes como Gina Lolobrigida e Sophia Loren. Bastou a conversa para Roberts sentar-se na beirada do sofá e desenhar freneticamente. Em minutos criou looks com trench-coats, vestidos e sapatos, imaginando como eles estariam nas fotos. Depois de dez folhas de um story-board do editorial, enfim a hora da feijoada. ?Sem farofa, que não gosto muito?, brincou. Figura marcante nas principais semanas de moda do mundo, Michael Roberts é alto, elegante e não passa despercebido. Impossível não notar esse homem negro, de cabelos raspados, quase sempre vestido com seu impecável trench-coat e óculos escuros. Seja em um desfile ou festa badalada, ele vive cercado de modelos, celebridades e editoras de moda como Anna Wintour, a lendária editora da Vogue América, ou Suzy Menkes, do Herald Tribune. Dono de um estilo britânico, ele é hoje um dos personagens que mais influenciam o consumo de moda e estilo no mundo. Como fotógrafo, diretor de arte ou jornalista, o inglês impôs seu talento, seja em fotos externas, uma de suas marcas, seja nos ensaios com apelo sexy. Mr. Roberts ? como costuma ser chamado pelas top models ? já passou por redações de jornais e revistas como Sunday Times, Tatler, Vanity Fair e New Yorker, onde produziu mais de 20 capas em mais de oito anos de colaboração. Nascido em Buckinghamshire, condado do sul da Inglaterra, este filho de pai engenheiro e mãe costureira não imaginava seguir o caminho da moda. Roberts estudou arte e design gráfico na cidade de High Wycombe antes de passar para o departamento fashion, ?Porque parecia mais divertido?. Ganhou um concurso de ilustração de moda, promovido por uma agência de publicidade, e seu prêmio foi uma viagem à nova York, onde conheceu os artistas Andy Warhol e Richard Avedon. Depois disso, a moda ?picou? o estudante. Ele voltou para casa e se inscreveu na Royal Academy of Arts, em Londres. De lá para cá sua trajetória de sucesso não parou. Hoje, aos 62 anos, o editor já trabalhou com Robert de Niro, Madonna, Carla Bruni, Julianne Moore, Kate Winslet, Jennifer Connelly e Bruce Willis. Fã do Brasil, Roberts já visitou o país incontáveis vezes, a mais recente para acompanhar os desfiles do Fashion Rio e São Paulo Fashion Week, em janeiro. Em entrevista exclusiva à Gente, ele falou sobre sua visão da moda brasileira e internacional, relembrou sua trajetória e teceu comentários sobre a presidente Dilma Rousseff e as celebridades de Hollywood. Você já saiu e voltou para a Vanity Fair três vezes. Recentemente, notas na im prensa especulam que deixará a revista de novo. Isso acontece porque não fico o tempo todo lá. Só faço trabalhos quando quero. Sou editor à distância. Hoje eu estou mais tempo em Londres por conta da minha nova loja. Ela é pequena, em Chelsea, e reúne estilistas e marcas que têm a ver comigo. Se chama Ninivah. Na decoração, há animal prints, toques baianos e peças coloridas. O piso é como os das igrejas de Salvador. Eu mesmo decorei. Uma tevê na vitrine exibe vídeos que fiz no Rio. Vendemos muitos biquínis e sapatos, peças artesanais e exclusivas. Tenho algumas marcas como Lenny, 25% dos designers são brasileiros que vivem em Londres ou frequentam a cidade. Você tem uma coleção em parceria com a marca paulista de beach wear Skin Biquini. Como são as peças? Todas têm linhas muito limpas e chiques. Reproduzi meus desenhos de bananas, melancias e abacaxis para estampá-las. A modelagem é básica, mas impecável. Também criei minhas próprias Havaianas, com estampas de leopardo amarela e laranja. No início da carreira, você morou na casa de Anna Wintour por uns tempos … Anna é uma das minhas amigas mais queridas e isso aconteceu há muitos anos, quando cheguei à Nova York para trabalhar na Vanity Fair. Estava procurando apartamento e ela me convidou para morar em sua casa. Ela é mesmo como retratada no filme O Diabo Veste Prada? Não, não. Anna é uma mulher maravilhosa e para mim faz a melhor revista de moda do mundo. Por que acha que Carine Roitfeld (ex-editora da Vogue Paris) foi substituída? Carine é uma ótima stylist, muito boa mesmo, mas para editar uma revista inteira é preciso saber compor mais elementos além de um look. Tem de pensar no geral, abrir o foco. Como acontece seu processo de criação e pesquisa? Não estudo moda, nunca. Também não sei como é o meu processo criativo. Faço colagens de filmes, de ideias de vários lugares e de imagens que vi em algum lugar. Talvez isso funcione como uma espécie de pintura. O que ainda pretende fazer? Há muitos caminhos na moda. Tenho um grande projeto com Manolo Blahnik para fazer sapatos. Mas tudo precisa de um tempo para amadurecer. Sempre procuro por algo diferente. Como vê as modelos brasileiras? Todas elas têm um ar fresh e uma sensualidade natural. Gisele é assim até hoje, mas já fotografei com todas as brasileiras mais importantes. Isabeli Fontana, por exemplo, tem muita personalidade. Isso também acontece com Fernanda Tavares, Raquel Zimmermann e muitas outras que despontam no mercado. Por que prefere fotos externas? Gosto da luz natural, de mostrar a vida real. Por isso gosta tanto do Rio de Janeiro? Talvez sim. A paisagem natural do Rio é linda. Estas fotos que fiz com Fernanda Tavares (ele mostra as imagens no IPad), por exemplo, têm plantas e a calçada de Copacabana. Gosto de olhar o Rio de uma forma nova. Tem interesse em fotografar em outras regiões, como a Amazônica? Acho que não gosto muito de florestas. Até gosto da ideia, mas não da realidade. Não me dou muito bem com insetos (risos). Como é trabalhar com as estrelas de Hollywood? Nada fácil, mas este é o show. O Oscar acontece em março, mas começamos a pensar nos possíveis nomes em setembro do ano anterior. Tentamos prever quem poderá ser indicada. Entramos em contato e planejamos: vamos fazer um retrato ou um editorial inteiro? Qual foi o seu trabalho mais marcante com essas celebridades? Acho que foi em 2008. Tive a ideia de fazer fotos de atores como se estivessem em cenas de um filme, com um clima anos 40, como film noir. Tínhamos os estúdios da Universal Pictures e a estrutura de uma produção de verdade. Reproduzimos uma rua antiga de Nova York. Fizemos chover no set. Tudo era perfeito. Custou uma fortuna. A história era de um detetive em busca de um assassino. Havia todos os clichês de Hollywood. O problema foi que ninguém queria fazer o morto, todo mundo achava a imagem ruim, negativa. Falamos com mais de 30 atrizes e atores. Eles diziam: ?eu sou uma estrela, não quero morrer no seu editorial, quero dez páginas?. Como resolveu? Conseguimos um voluntário: Bruce Willis. A foto foi tirada no escuro, com chuva e ele caído no chão. Demoramos umas três horas, mas Bruce achou o máximo. Ele perguntava: ?ficou bom? Quero fazer de novo. Deu certo?? Ele foi fantástico. Isso é o que um ator de verdade faz. Não aquele tipo prima donna. Às vezes o problema não são as estrelas de cinema e sim o entourage, ou o grupo de pessoas que cuida dela, entendeu? Essa foto ficou famosa e ganhou muitos prêmios. Às vezes, trabalhar com estrelas não é bom e às vezes é fantástico. Esta vez foi fantástica. Qual o futuro da moda? Há duas vias. De um lado, estão as grandes corporações, como Louis Vuitton ou Hermès. Do outro, as pequenas butiques, com espaços reservados e peças exclusivas. É um pouco como nos velhos tempos da Daslu, um endereço secreto. Quando estive aqui com Isabella Blow (stylist americana), nos anos 90, a Daslu era um espaço sem janelas, uma espécie de clube. Existia uma certa privacidade e um certo mistério. Algumas lojas têm esta ideia, mas se perdem com o lado comercial. Gosto deste contraste entre o grande mercado e o mercado fechado. O que precisa melhorar na moda brasileira? Acho que está tudo muito caro, muito caro mesmo. Os preços subiram e vi grande diferença desde a primeira vez que vim para cá. Os impostos estão altos. Isso impede que eu leve mais marcas para vender em Londres. também quero produzir aqui, mas não dá. Só fabrico no Brasil alguns biquínis em parceria com a Lenny. Mas quando levo para Londres, eles se tornam caros. Como conheceu a Eliana Tranchesi? Por meio da Monica Mendes, que era sua relações públicas. A partir daí, começamos a fazer um trabalho para a revista. Criamos um editorial baseado em Helena de Troia, por exemplo. A daslu tinha uma estrutura espetacular, como em Hollywood. Eu precisava de uma coluna grega, de uma charrete com cavalos, e elas faziam tudo aparecer. Havia muito dinheiro e eu fiz coisas incríveis. Algumas situações fizeram com que a marca se perdesse, além de todos aqueles episódios que já sabemos, mas admiro o trabalho da equipe Daslu. Gostou de algum desf ile nas últimas edições do São Paulo Fashion Week e do Fashion Rio, em janeiro? Alexandre Herchcovitch fez um desfile muito bom. Acho que foi um dos melhores que eu vi e um dos melhores que ele já fez. As linhas eram muito puras e confortáveis. Ele fez experimentações muito bonitas e isso geralmente é difícil. É um pouco do que se reconhecia em um desfile do Alexander McQueen, por exemplo. No fashion Rio, gostei da Redley. Achei a Osklen interessante também. Oskar (Metsavaht) sempre olha para o novo, principalmente no projeto e-fabric (voltado para roupas sustentáveis). Ele consegue adivinhar o que as pessoas querem, com muita simplicidade. Existe um certo ?japonismo? nas coisas dele. E os tênis da Osklen são um sucesso no mundo inteiro. Que nomes brasileiros são conhecidos no Exterior? Carlos Miele. As pessoas o conhecem em todo o lugar, em Nova York e em Paris. Alexandre Herchcovich só tem loja em São Paulo e Tóquio. E este é o caso do Pedro Lourenço, que tem um trabalho ótimo, mas ainda não vende lá fora. Como o Brasil é visto lá fora? Os anos sob o comando de Lula foram muito bons. A economia evoluiu e a força do petróleo mudou outras coisas. Nestes próximos anos, vocês terão a Olimpíada e a Copa do Mundo. Serão dez anos para o Brasil se revelar. Todas as atenções estarão voltadas para cá. Marcas como Gucci e Zegna estão investindo aqui e isso é muito bom. Para mim é ótimo também, quero voltar a trabalhar aqui. Como você vê a nossa primeira presidente mulher? Eu li muito sobre a Dilma lá fora e é uma mulher que tem uma história. Vi nos jornais que ela pretende ajudar a moda. Eu acho isso muito bom, para a indústria e para todos nós.